Opinião preventiva

A utilidade da discussão de certos temas perante a opinião pública depende diretamente da perspetiva a partir da qual se discute. Assim é com o Direito. Discuti-lo em abstrato, do ponto de vista da política legislativa, contribui para que seja bem acolhido pela comunidade que visa regular e organizar e para que, em última análise, […]

A utilidade da discussão de certos temas perante a opinião pública depende diretamente da perspetiva a partir da qual se discute. Assim é com o Direito.
Discuti-lo em abstrato, do ponto de vista da política legislativa, contribui para que seja bem acolhido pela comunidade que visa regular e organizar e para que, em última análise, se faça mais e melhor Justiça, na concepção que essa comunidade tem da mesma.
Discuti-lo em particular, à luz de casos concretos tornados públicos, norteia a discussão para os detalhes mais sórdidos e desconhecidos do caso, apelando apenas às curiosidades menos nobres da natureza humana. É navegar um mar de especulação em embarcações de desinformação a bordo das quais, infelizmente, o público não hesita em embarcar.
O Direito Penal é uma das maiores expressões da autoridade do Estado perante os cidadãos – porventura, a maior de todas – e o último reduto da Justiça quando todas as alternativas fracassam.
De entre os mecanismos que um processo criminal permite accionar, avulta a prisão preventiva, por se tratar de limitar totalmente a liberdade de um arguido quando ainda não existe um juízo definitivo formado sobre a sua responsabilidade.
É uma medida de última ratio, que não pode ser tomada quando qualquer outra permita atingir o mesmo fim com menor sacrifício das liberdades do arguido. Está sujeita a pressupostos exigentes: necessidade, proporcionalidade e adequação ao caso concreto, para além de outros mais específicos que não vêm ao caso. No entanto, quando o processo e a investigação corram perigos que não possam evitar-se por outra via, o recurso à mesma pode e deve ser ponderado, por um juiz incumbido de proteger os direitos e liberdades do arguido, não pelo acusador, como por vezes pretende fazer-se crer.
Voltemos, então, onde queria ter ficado se não se justificasse a introdução: às opiniões.
Numa era em que a mediatização fácil e as redes sociais são, cada vez mais, as asas de que o disparate e a leviandade necessitavam para descolar para voos mais altos, é cada vez maior a falta de critério e de conteúdo da informação com que o público, mais ou menos voluntariamente, acaba por ser brindado.
Por um lado, poucos se coíbem de emitir opiniões a propósito de temas sobre os quais o seu conhecimento é parco, quando não nulo. Quase todos acreditam saber qualquer coisa sobre qualquer tema e poucos ponderam o interesse e o contributo da sua opinião para a discussão antes de a proferir.
Ora, muito se tem falado e discutido recentemente sobre a prisão preventiva. Infelizmente, não sobre o mérito da medida em si, mas sobre a sua aplicação em determinados casos e a determinados arguidos, ficando prejudicada a discussão das questões verdadeiramente essenciais.
Discutir se o despacho que a decretou tem algum objetivo perverso, esmiuçar a carreira do juiz que o proferiu e as suas ligações pessoais e profissionais, discutir as visitas que o arguido recebe e entrevistá-las são faits divers. É panem et circenses que, como o original romano, desinforma a opinião pública e desvia-a do essencial – o que é particularmente grave para uma sociedade a clamar inconscientemente por iluminação.
Se o despacho tem fundamento e se os pressupostos do decretamento da medida de coação estão preenchidos discute-se no processo, por iniciativa dos intervenientes interessados e através dos expedientes legalmente previstos para o efeito, para os quais a opinião pública não contribui em nada, a não ser para envolver todo o processo numa pressão perniciosa para os valores que o mesmo visa tutelar e que apenas prejudica os envolvidos, especialmente o arguido.
Quem quiser que emita a sua opinião e promova-a quem entender que deve, mas tanto as opiniões como a sua promoção dependem directamente do interesse que suscitam e da adesão que recebem, os quais só se esbatem se a falta de interesse, a contra produtividade e a falta de perspetiva de algumas opiniões forem trazidas à discussão perante o público, por irónico que possa parecer.

Fábio Loureiro
Advogado da F. Castelo Branco e Associados

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