[weglot_switcher]

Orçamento do Estado para 2022 – Um rumo incerto

Parece que o Governo mostra sinais de uma navegação à vista, com um rumo incerto que importaria alinhar com a brevidade possível.
23 Abril 2022, 16h30

Nos dias que precederam à apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022 (“OE2022”), a medida de índole fiscal mais mediática que foi apresentada (através do atual Ministro da Economia e do Mar, Dr. António Costa Silva), consistia na introdução de um novo tributo que visava a tributação dos denominados “lucros aleatórios e inesperados”, sem que a mesma acabasse por ter respaldo no texto entregue pelo Executivo no passado dia 13 de abril na Assembleia da República. Aparentemente, será algo que ainda estará a ser estudado, mas não para ser implementado no imediato.

Mas já lá vamos a este ponto mais adiante.

Agora com um novo rosto na pasta das Finanças, liderado pelo Dr. Fernando Medina, o Governo apresentou uma Proposta de Lei de Orçamento do Estado que, no essencial, segue as medidas fiscais que se encontravam contempladas na primeira versão chumbada em outubro de 2021, que, à data, levou a uma dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas por parte do Presidente da República, as quais se realizaram no passado dia 30 de janeiro de 2022. Deste ato eleitoral, emergiu um “novo” Governo, chefiado uma vez mais por António Costa.

Este documento acaba por ser preparado num contexto de grande incerteza económica futura, fruto das várias ondas de choque a que temos vindo a assistir nos últimos tempos, nomeadamente ao nível do custo das matérias primas (v.g. petróleo e cereais), custos de energia e ao início de uma pressão sobre os mercados financeiros, que certamente irão projetar um aumento das taxas de juro. Tudo isto, por certo, irá contribuir para uma escalada dos preços e com isso virmos a ser confrontados com uma taxa de inflação elevada, sem precedentes nas últimas décadas. Acresce ainda o facto de não se poder ignorar o impacto que ainda poderemos vir a ter com a proliferação (ou não) da pandemia da Covid-19. Fica a dúvida se o documento apresentado contempla uma elasticidade suficientemente ampla que possa acomodar todos estes efeitos.

As linhas gerais do Orçamento do Estado para 2022 apresentadas pelo Governo, que apelidou este Orçamento como sendo “um orçamento a pensar nas famílias”, indicam que o PIB irá, ainda assim, registar um crescimento de 4,9%. Ao nível do défice das contas públicas para 2022 estima-se que o mesmo possa atingir um valor em torno de 1,9% (revisão em baixa em face do valor de 3,2% inscrito pelo Governo em outubro 2021), mantendo a meta de alinhamento com o valor inscrito no Programa de Estabilidade.

No que respeita à taxa de desemprego, o Governo estima que a mesma venha a atingir a fasquia de 6% em 2022 (menor do que o valor considerado em outubro de 2021 que era de 6,5%). Já no que concerne à dívida pública, estima o Governo que a mesma se venha a cifrar em cerca de 120,7% do PIB, um valor ainda alto, mas ainda assim mantendo uma trajetória decrescente no que diz respeito a este rácio.

No tocante à taxa de inflação estima-se que a mesma venha a cifrar-se num valor em torno dos 4% (i.e. projeção do Índice de Preços Harmonizado no Consumidor) em 2022.

De uma forma resumida, o conteúdo da proposta de Lei do OE2022 agora apresentado segue, no essencial, as medidas fiscais que já constavam do documento de outubro, mantendo a linha programática do Governo assente na premissa de estarmos perante um Orçamento do Estado que privilegie primordialmente as famílias. Tal situação é visível, nomeadamente através do desdobramento dos escalões do IRS, provocando dessa forma algum alívio fiscal, ainda que ligeiro, ao nível da denominada classe média e ainda a reformulação do regime do IRS Jovem.

Há ainda um reforço de alguns apoios sociais, bem como um reforço das deduções à coleta relativas a dependentes.

Ao nível dos impostos indiretos, e com o intuito de mitigar os impactos na variação dos preços dos combustíveis, é proposta a redução da taxa do ISP num montante equivalente ao que resultaria da aplicação de uma taxa de IVA de 13%.

Ao nível das empresas, recuperam-se ainda as medidas já anteriormente previstas, merecendo algum destaque a eliminação, em definitivo, do pagamento especial por conta do IRC (que na prática já era um mecanismo praticamente inaplicável), e a introdução de um crédito fiscal, via dedução à coleta do IRC a até 70% deste valor, denominado por Incentivo Fiscal à Recuperação, e que consiste na aplicação de uma percentagem de 10% ao montante dos investimentos elegíveis efetuados pelas empresas no 1º semestre de 2022, até ao limite de 5.000.000€, desde que o montante investido seja equivalente à média registada nos últimos 3 anos, ou de 25% na parte em que o valor do investimento exceder essa média.

Para concluir, e à semelhança do que se verificou em 2021, o Governo propõe o aumento extraordinário de 10 euros para as pensões mais baixas (i.e. até 1.108 euros).

Retomando agora a ideia inicial deste artigo: a tributação dos lucros aleatórios e inesperados. Sem prejuízo de uma análise mais detalhada deste conceito, que importará densificar, a surpresa dessa eventual medida fiscal é total. Se a ideia do Governo é a de “espantar” o investimento direto estrangeiro ou o reforço do investimento por parte de investidores nacionais, então estaríamos no bom caminho. De facto, parece começar a pairar a ideia de que em Portugal tudo o que dê um lucro relevante deve ser “combatido” pela via fiscal. É bom não esquecer que são estas empresas que podem ter capacidade para investir e com isso promover o tão desejado crescimento económico. Convém relembrar que já existe no nosso normativo um tributo (i.e. a Derrama Estadual, a qual até se caracteriza por uma constitucionalidade duvidosa) que visa tributar adicionalmente os lucros fiscais acima de 1,5 milhões de euros, sendo que essa tributação adicional pode ir até 9 pontos percentuais (i.e. para a parcela de lucros fiscais acima de 35 milhões de euros), o que coloca Portugal na fasquia superior dos Países que mais tributa os rendimentos empresariais (com uma taxa nominal, nestes casos, que pode chegar a 31,5%). Dito de outro de modo, os lucros fiscais elevados são já tributados de forma agravada e progressiva.

Mais, existem ainda um conjunto de contribuições adicionais / extraordinárias que determinados setores de atividade já pagam em adição ao IRC, como sejam o setor energético, o setor bancário e o setor farmacêutico.
De facto, quando se pensava que o Executivo poderia proceder à introdução, ainda que transitoriamente, de medidas de alívio fiscal para o setor empresarial, fruto do contexto económico desafiante que o País e o mundo atravessam, o que se ouviu foi a intenção de lançar mais um tributo para as empresas que gerem lucros relevantes!

O tecido empresarial precisa de apoio. As medidas financeiras anunciadas pelo Executivo (através do PRR e outras) serão positivas se forem bem implementadas na economia real e de forma tempestiva. Mas na área fiscal, medidas como melhorar o regime de reporte de prejuízos fiscais, a introdução de um crédito fiscal que visasse premiar, pela via fiscal, as empresas que gerem emprego ou mesmo aliviar as taxas / escalões da Derrama Estadual, seriam por certo áreas que poderiam ter merecido uma atenção especial por parte do Governo.

Se por um lado, vivemos momentos de incerteza associados ao cenário com que o mundo atualmente se confronta, dadas as múltiplas ondas sistémicas existentes, por outro lado, parece que o Governo mostra sinais de uma navegação à vista, com um rumo incerto que importaria alinhar com a brevidade possível. Sabemos que daqui a escassos meses vamos ter outro exercício orçamental (i.e. o Orçamento do Estado para 2023) e sem dúvida nessa altura com mais dados, o Governo poderá dar esse passo. Será uma oportunidade que não deve nem pode ser desperdiçada!

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.