Agora que a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022 estará em vias de ser aprovada na especialidade no final do mês de maio de 2022, não se vislumbrando alterações relevantes, em matérias de natureza fiscal, face ao conteúdo da versão que foi entregue no Parlamento em meados do passado mês de abril, importará refletir um pouco sobre o que poderia ter sido feito em adição ao proposto pelo Executivo neste domínio.

Será sempre um exercício de difícil apreciação e de execução, pois quaisquer medidas de estímulo e/ou de alívio fiscal constituirão sempre uma despesa fiscal que qualquer Governo tem de gerir com prudência. E isso é, como todos sabemos, uma tarefa complexa e que muitas vezes assenta num conjunto de opções políticas.

Muitas têm sido as vozes, maioritariamente do setor empresarial, que afirmam que o OE2022 foi pouco ambicioso. Pessoalmente, até percebo algumas dessas vozes, até porque acredito que as empresas são o motor de qualquer economia, pois são estas que criam riqueza e emprego para o País, e por isso estimular, pela via fiscal, o setor empresarial é estar a apostar de uma forma segura no crescimento da economia e no futuro do País.

No entanto, o Governo sempre disse que o Orçamento que ia apresentar era o mesmo que tinha sido chumbado em outubro de 2021 e que o foco principal seriam as famílias. E foi com esse Orçamento, e com esse discurso, que o partido que suporta o Governo se apresentou nas eleições legislativas realizadas no dia 30 de janeiro de 2022, tendo tal facto sido sufragado de forma muito expressiva pelos Portugueses, através de uma maioria absoluta parlamentar.

O cenário macroeconómico que o Governo tem pela frente é muito incerto, sendo essa a única certeza que temos neste momento. De facto, as várias ondas de choque a que temos vindo a assistir nos últimos tempos, nomeadamente ao nível do custo das matérias primas (v.g. petróleo e cereais), custos de energia, início de uma pressão sobre os mercados financeiros, que certamente irão projetar um aumento das taxas de juro, são tudo realidades atuais. Tudo isto tem vindo a contribuir para uma escalada dos preços e daí que se verifique atualmente uma taxa de inflação elevada, sem precedentes nas últimas décadas. Acresce ainda o facto de não se poder ignorar o impacto que ainda poderemos vir a ter com a proliferação recente da pandemia da Covid-19 em Portugal. Portanto, e em suma, é legítimo questionar se o OE2022 contempla uma elasticidade suficientemente ampla que possa acomodar todos estes efeitos.

Ao nível fiscal, as medidas contempladas no OE2022 já foram muito debatidas e discutidas na opinião pública e mesmo em vários fóruns subordinadas a esta temática. Dito isto, deixo aqui apenas uma reflexão, para memória futura, de 3 propostas resultantes da interação que temos ao nível dos vários stakeholders que operam no mercado:

Regime de reporte de prejuízos fiscais
A ideia seria agilizar mais este regime, seja pela via de não impor limites quantitativos e/ou temporais tão restritivos, considerando que o IRC assenta num princípio geral de solidariedade entre exercícios fiscais, seja pela via de flexibilizar ainda mais o regime de manutenção do direito ao reporte de prejuízos fiscais nos casos onde existam alterações na titularidade do capital.

Derrama Estadual
Pensamos que este é o momento de pensar em reduzir (ou mesmo acabar) este tributo. O mesmo, aquando da sua criação, tinha uma natureza excecional e temporária. Contudo, não só isso não se verificou, pois inclusivamente acabou por ser inserido no próprio Código do IRC, como ainda se agravou ao longo dos anos e introduziu uma natureza progressiva no IRC, a qual enferma de uma constitucionalidade duvidosa.

Benefícios fiscais à criação de emprego
Pensar em introduzir um crédito fiscal (via dedução à coleta ou mesmo via dedução ao rendimento tributável, através de uma majoração de custos) para as empresas que criem emprego. Tem vindo a ser dito de forma insistente que no cenário atual isso não faria sentido, nomeadamente pelo facto de o País se encontrar em pleno emprego, pelo que não fará sentido criar um crédito fiscal com esse alcance.

Se assim é, então porque é que se penalizam as empresas, através da impossibilidade de aceder a determinados benefícios fiscais, quando diminuem os seus postos de trabalho? Até pode fazer sentido que assim seja, mas neste caso então, a contrario, deve-se “premiar”, pela vis fiscal, quem cria emprego. A criação de emprego é algo que deve ser sempre valorizado pelo legislador fiscal.

Em conclusão, se é verdade que vivemos momentos de incerteza associados ao cenário com que o mundo atualmente se confronta, dadas as múltiplas ondas sistémicas existentes, por outro lado, parece que o Governo poderia ter dado sinais de uma maior aposta no nosso tecido empresarial, pela via fiscal. A esperança reside agora no Orçamento do Estado para 2023, pois estamos a escassos meses (em outubro de 2022) de ver o que vai ser proposto pelo Executivo. Será, por certo, uma excelente oportunidade que deve ser aproveitada!