A reindustrialização de Portugal entrou recentemente na agenda pública como um tema central da próxima década. Mas pouco tem sido dito de como o fazer, tanto na difícil tarefa de captação de investimento estrangeiro como na dinamização dos recursos nacionais para esses projectos.

Relatórios internacionais apontam lacunas importantes que dificultam a criação de grandes projectos industriais em Portugal, destacando a qualificação e quantidade de mão-de-obra, bem como o custo da energia. E mesmo as brilhantes excepções de sucesso nacional, em alguns sectores específicos – como o calçado ou o têxtil –, terão dificuldades com a transformação para a indústria 4.0, ou seja, uma indústria num novo patamar de automação com uso de técnicas de inteligência artificial, muito mais digital.

O sector da energia caminha para uma mudança profunda que nos últimos anos tem sido sumarizada como “os 3 D”: descarbonização, digitalização e descentralização. No caso da energia os “3 D” sumarizam que descarbonizar implica produzir com renováveis, que implica produção cada vez mais local e de fontes diversas, e irá haver uma integração digital em toda a cadeia de valor para optimizar produção e consumo.

Estes princípios encaixam muito bem no planeamento da indústria que é necessário fazer para o país, não fosse a própria indústria o principal cliente do sector energético. Deverão antes de mais guiar a política energética para que a base de renováveis do país seja uma vantagem competitiva em custo. Mas bem mais do que isso, apontam os pilares que devem guiar a reindustrialização. E há boas notícias: com a Covid pequenos passos já foram dados na direcção certa:

– Descarbonização: mais do que uma moda, é uma necessidade absoluta e um pilar incontornável. Os fundos da União Europeia que precisamos de canalizar para a industrialização terão o factor sustentabilidade como base. É também um factor de crescente importância para o consumidor e essencial em produtos de alto valor. Se queremos uma industrialização que gere riqueza e salários altos, tem de ser verde;

– Digitalização: a Covid “pôs a nu” as fragilidades das cadeias de abastecimento globais. Mudar (ou entrar) nessas cadeias é complexo e requer muitas dependências, que só podem ser endereçadas com uma indústria verdadeiramente digital. Esta tendência irá acelerar, pois os consumidores estão a mudar comportamentos, operando cada vez mais online e esperando interacção com o processo industrial, para além de o 5G estar à porta. Os consumidores de indústria de valor acrescentado irão esperar realidade virtual/aumentada, eficiência e transparência e níveis de customização como os já disponíveis em produtos digitais fornecidos por algoritmos de inteligência artificial;

– Descentralização: uma das grandes dificuldades de uma aceleração industrial será a captação e retenção de mão-de-obra, tanto não qualificada como altamente especializada. A tendência para flexibilizar o local de trabalho veio para ficar, até na indústria. É certo que muita da mão-de-obra da indústria tem de ser local, mas não toda e a Covid mostrou-nos que o limite é bem mais amplo do que supúnhamos. Tecnologias como a realidade aumentada já tiveram forte investimento em várias indústrias durante as restrições e irão crescer exponencialmente nos próximos anos. Faz sentido que o próprio processo industrial seja crescentemente distribuído em instalações mais pequenas em vez de fábricas de grande escala, trazendo vantagens laborais, ambientais e económicas.

A capacidade de criar uma nova indústria sustentável, duradoura e de alto valor acrescentado está directamente ligada a Portugal poder elevar-se a um novo patamar de competências que começaram a ser criadas durante a Covid: rápida integração tecnológica, rápida flexibilização de processos e descentralização de competências. Em vez de captar indústria transitória e de baixo valor, oportunista de isenções fiscais, está na hora de criar uma que seja a nossa marca e com futuro.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.