Os Açores são mais do que a base das Lajes

A questão da base das Lajes nos Açores fez-me lembrar um livro que me surpreendeu há muitos anos. Trata-se de “A crónica de uma morte anunciada”. Há, pelo menos, um par de anos que sabíamos que a intenção americana de abandonar as Lajes era uma realidade. No entanto, não foi preparado um plano de contingência […]

A questão da base das Lajes nos Açores fez-me lembrar um livro que me surpreendeu há muitos anos. Trata-se de “A crónica de uma morte anunciada”. Há, pelo menos, um par de anos que sabíamos que a intenção americana de abandonar as Lajes era uma realidade. No entanto, não foi preparado um plano de contingência ao nível nacional (sim, porque o impacto pesa sobre todos nós), para melhor se negociar a saída e aproveitar outras possibilidades que surjam. Ou melhor, ainda, criar essas alternativas.

O arquipélago dos Açores tem atualmente mão-de-obra qualificada, pequenas e médias empresas com interesse na inovação e vontade de estabelecer parcerias interessantes. Chegaram boas notícias para a mobilidade, com o anúncio dos voos low cost, e vai ser lançada a marca global Açores. Este dinamismo é, sem dúvida, importante para dar resposta a um problema que não se pode protelar ou ignorar. Investir em novos ramos de atividade, como a tecnologia, e fortalecer os que já existem, como o turismo, pode constituir a saída.

O arquipélago tem uma posição geoestratégica invejável e não apenas no que concerne a fins militares. Quer isto dizer que também pode ser uma plataforma interessante para outros negócios, dada estar a meio caminho entre a Europa e a América. A tecnologia e a logística poderão ser saídas que minorem a dependência face a soluções únicas como a que existiu nas Lajes até aqui.

Assim sendo, não parece nada fora de mão pensar-se que a China poderia ter interesse em ter aqui uma plataforma de logística aérea enquanto um dos maiores exportadores do mundo. Claro que numa perspetiva de negócios e assegurando que seria uma relação de ganhos mútuos e compromisso. O anúncio desta possibilidade feito pelo presidente do governo regional, Vasco Alves Cordeiro, é uma alternativa a uma saída americana.

Neste momento, nem o governo regional nem o governo nacional conseguirão reverter a decisão tomada pelos norte-americanos. O interesse, que as Lajes tinham, esgotou-se numa perspetiva pragmática do governo dos EUA. Neste momento, há que olhar para o interior do arquipélago e ver como se pode dar resposta e procurar outros parceiros. E se a escolha da China levanta alguma dúvida, proponham-se outras possibilidades. Mas convém lembrar que as enormes lojas chinesas com presença nos Açores parecem não ter levantado grandes oposições.

Na verdade, os Açores são muito mais do que as Lajes e têm dentro de si as respostas necessárias para poder avançar. É com gosto que se veem novos projetos em diferentes áreas desempenhados por jovens, que se sabe que o Festival Walk and Talk (importantíssimo para o desenvolvimento do potencial das indústrias culturais) ultrapassa fronteiras e é mencionado pelo New York Times. A verdadeira resposta à retirada da base das Lajes pode encontrar-se mesmo aí, na diversificação da atividade, na inovação e na procura de novas parcerias internas e externas.

Cátia Miriam Costa
Investigadora do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE – IUL

 

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