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“Os bancos centrais estão a preparar a próxima crise”

A uma semana de o BCE anunciar a redução dos estímulos, o economista-chefe da XTB acredita que Draghi terá uma situação difícil pela frente.
  • Foto cedida
25 Outubro 2017, 07h15

Przemyslaw Kwiecien, economista polaco premiado pela Bloomberg como melhor analista de mercados EMEA, em 2016, espera que o Banco Central Europeu (BCE) diminua a compra de ativos em 10 ou 15 mil milhões de euros entre janeiro e setembro do próximo ano. No entanto, a instituição liderada por Mario Draghi poderá ter de lidar com as consequências das políticas não convencionais, como explicou em entrevista ao Jornal Económico.

Já analisou o Orçamento do Estado para 2018?
Seguimos as finanças públicas de Portugal e de Espanha durante a crise, mas desde então houve uma normalização. Para os mercados globais e até para a zona euro, já não é algo que os investidores estejam atentos. Do ponto de vista europeu, até agora tudo bem. Sabemos que a situação pode não estar completamente curada, mas uma vez que existe uma recuperação económica e que a política do BCE ajudou bastante os mercados de títulos, os investidores não entram em demasiado detalhe.

A retoma da economia portuguesa é sustentável?
Parcialmente, sim. Podemos ver que os esforços feitos pelo BCE estão a dar alguns frutos porque podemos ver uma recuperação na procura em toda a Europa. É um bom sinal pois este não foi o caso durante muito tempo no passado. Houve períodos em que tivemos melhor ambiente económico em alguns países, que dependiam das exportações, como a Alemanha e o norte da Europa em geral e o sul da Europa estava atrasado. Desta vez, parece que a recuperação é abrangente por toda a Europa. A retoma depende, em certa medida, do alto crescimento das exportações para a Ásia, especialmente a China. Esse tem sido um dos fatores que impulsionaram a recuperação dos países, o que significa que, se houver problemas na China – o que pode muito bem acontecer – isso poderia afetar a Europa. Acho que as pessoas não percebem isto e que acreditam que o que acontece na Europa agora é totalmente sustentável. Pode ser esse o caso se a China continuar a crescer de forma constante, mas temos de ter consciência que existe esse risco.

Sobre Portugal, como avalia o mercado de obrigações?
O mercado de obrigações foi muito afetado pela política do BCE. Ao executar o mandato de compra de ativos, realmente teve um grande impacto. Pode haver preocupações que os mercados de obrigações estejam demasiado ‘aquecidos’ e sobre o que vai acontecer quando o BCE já não estiver a comprar todos esses títulos. Obviamente, é um risco no futuro, mas vamos ver o que acontece no próximo ano. Mesmo que o BCE comece a reduzir as compras, que é o consenso, vão continuar a comprar dívida. É importante manter essa consciência: ainda estarão no mercado no próximo ano, mas a um ritmo mais baixo que agora. Não é como nos EUA, onde a Fed vai reduzir o balanço e vender ativamente a dívida para o mercado. Não é o caso na Europa. Se este fosse o caso, certamente seria um grande risco para Portugal e outros países.

Mas a determinada altura, o BCE também terá de reduzir a folha de balanço…
Bem… Não há um plano delineado para isso, mas é natural que comecem a considerar vender esses ativos nalgum momento. Mas estamos muito muito longe desse ponto. Uma das preocupações que temos é que podemos ver uma crise global antes dessa situação.

Podemos chegar a um ponto em que o BCE está a reduzir o balanço e acontece uma crise?
Sim. Normalmente, neste momento da recuperação, os bancos centrais geralmente estariam a aumentar as taxas de juros, enquanto estamos numa posição em que o BCE ainda tem uma taxa de depósito negativa e ainda está a comprar títulos, ou seja está bastante atrás na curva. A Fed está numa posição melhor, porque já estão a normalizar. Também estão a fazê-lo muito tarde, mas pelo menos já estão a preparar-se para se algo correr mal. O BCE não está nessa posição e pode simplesmente esperar que a situação continue favorável por muitos anos, o que é muito otimista. Mas, para ser justo com Mario Draghi, temos de admitir que, antes de começar o programa de Quantitative Easing (QE), fez muita pressão sobre os governos para introduzirem reformas. Os governos, é claro, não estiveram dispostos a fazê-lo por várias razões, principalmente políticas. Por isso, tiveram muita culpa quando as coisas correram mal, temos de estar cientes disso.

Draghi atrasou o QE porque estava a avisar os países?
É difícil de dizer. Sabemos que políticas funcionam e quais não funcionam, mas os bancos centrais estavam num ambiente em que tiveram que tomar medidas sem precedentes e não culpo o BCE ou a Fed pelos programas que escolheram. Estavam num lugar difícil e tiveram que tomar decisões difíceis. Não houve uma decisão deliberada de Draghi de aplicar alguma dor aos países antes de começar o QE. Prefiro pensar que queria ver se alguma coisa funcionaria e quando percebeu que era necessário mais, começou o programa de QE. Nunca é do interesse dos bancos centrais arriscar a economia. Definitivamente não era o caso. A Europa estava num lugar muito difícil, lembro-me quando as yields das obrigações espanholas estavam em cerca de 7% e parecia completamente insustentável. Os mercados já estavam em contagem decrescente para uma tragédia.

Em Portugal foi pior, chegaram a superar os 15%.
Absolutamente. Portugal estava numa situação ainda mais trágica, mas (perdoem-me) da perspetiva europeia, os mercados estavam dispostos a sacrificar Portugal. Espanha foi o verdadeiro problema porque não havia dinheiro suficiente na Europa para resgatá-la. É simplesmente demasiado grande. Com Portugal, conseguia-se pagar alguns anos, mas não Espanha.

E agora, o que é que pode acontecer às obrigações portuguesas?
Penso que o bull market de obrigações de forma global está provavelmente prestes a terminar. Estamos finalmente num ponto em que os bancos centrais, fora do Japão, estão prestes a retirar a acomodação apenas para se prepararem para a próxima crise. Por isso, penso que as yields vão começar a subir lentamente em todo o lado e também é o caso de Portugal. Talvez não seja uma explosão, mas um ajuste lento para acontecer nos próximos um ou dois anos.

Diz que os bancos centrais se estão a preparar para a próxima grande crise. Quando e porque é que vai acontecer?
Ninguém sabe, naturalmente. Existem alguns riscos importantes e os bancos centrais estão cientes de que mesmo as suas políticas podem estar a contribuir para esses riscos. Por um lado, curaram a economia, fornecendo dinheiro sem custos, mas, por outro lado, dinheiro sem custos causa desajustes. Quando as taxas de juros são altas, apenas os bons negócios prosperam porque têm de pagar os juros e ter lucros, enquanto quando as taxas de juros são baixas, todos os negócios podem sobreviver por algum tempo, porque não custa nada ganhar dinheiro. Este é um grande desafio em todos os lugares e vamos poder tirar uma boa lição dos EUA, onde as taxas de juros já estão a subir e veremos o impacto que isso terá na economia. Na Europa, a situação é mais grave porque na verdade existem taxas de juros negativas e, nos mercados obrigacionistas, há yields negativas. Por isso, os desajustes negativos poderão ser maiores que nos EUA, onde as taxas de juros sempre foram positivas, mesmo quando estavam perto de zero.

O que espera que Draghi anuncie em relação ao tapering?
O consenso do mercado é que o BCE vai estender o programa até ao final de setembro de 2018, diminuindo o valor das compras. Estou de acordo com o consenso. Não espero nada de radical. Penso que vão começar a diminuir em 10 ou 15 mil milhões de euros, talvez no primeiro trimestre ou algo assim para não causar um choque no mercado. Saberemos em breve porque temos a reunião do BCE na próxima semana e têm de o fazer entre essa reunião e a próxima e acho que a próxima reunião, no final de dezembro, já estará bastante atrasado. Também podem anunciar neste mês o quadro e dizer que darão detalhes em dezembro. Estas são as duas opções.

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