A Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), a qual represento na qualidade de secretário-geral, enviou muito recentemente uma carta ao cuidado dos diferentes grupos parlamentares, na sequência de uma proposta que se afigura como descabida de sentido, mas que não deixa por isso de ser merecedora de resposta e esclarecimentos.

Com efeito, o Projeto de Lei nº16/XV, apresentado pelo PCP na Assembleia da República, visaria, de acordo com o seu título, reduzir “o preço dos combustíveis através do nível de incorporação dos biocombustíveis”, defendendo a redução do referido nível de incorporação de 11% para 5% com a alegação de que “apenas uma diminuta parte do biodiesel e do bioálcool é produzida a partir de resíduos agrícolas, industriais ou urbanos/alimentares”.

Sucede que o referido Projeto de Lei não apenas contém inexatidões e erros graves, como em acréscimo a sua eventual aplicação provocaria sérios danos na economia nacional e no emprego e sem que, note-se, existissem resultados visíveis na redução dos preços dos combustíveis.

A explicação desses erros é simples: em primeiro lugar, deve realçar-se que os biocombustíveis consumidos em Portugal são produzidos – na sua grande maioria – com recurso a matérias residuais. Em 2021, e tendo como fonte os dados oficiais do LNEG, 72% em volume dos biocombustíveis produzidos em Portugal ou importados tiveram origem em matérias residuais e 22% foram considerados legalmente como avançados.

Daqui, decorre que cai pela base o argumento avançado pelo PCP e sem correspondência na realidade, sobre a alegada “diminuta utilização de matérias residuais”. Mais ainda, erram também os deputados comunistas quando o seu documento, ao não distinguir entre matérias-primas derivadas de resíduos suscetíveis de dar origem a biocombustíveis avançados, e óleos alimentares usados, entra em choque direto com a legislação em vigor, não apenas nacional mas também europeia.

E não ficam por aqui as perplexidades suscitadas pela proposta legislativa; a previsão de uma meta nacional indicativa de 1% em teor energético a cumprir com combustíveis avançados não é entendível, se considerarmos que este objetivo foi largamente excedido no ano de 2021, ultrapassando os 3%.

Finalmente, mas não menos relevante, a desejada redução pelos comunistas da meta global de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários para 5%, em teor energético, iria provocar, objetivamente, a destruição de todo um setor nacional de atividade industrial. Setor esse que soube adaptar-se às condicionantes legais, que utiliza na sua produção mais de 70% de matérias residuais, e que estimulou a recolha e utilização de resíduos nacionais com vista ao cumprimento da então meta indicativa de 0,5% de biocombustíveis avançados.

A contração do mercado que decorreria da entrada em vigor deste Projeto de Lei levaria à descontinuidade da maioria dos estabelecimentos que constituem hoje este setor industrial e, em consequência, prejudicaria gravemente o desenvolvimento da estratégia de promoção da economia circular em Portugal.  Largas centenas de empregos deixariam de existir, a capacidade nacional de aproveitamento das matérias residuais disponíveis seria drasticamente reduzida e as importações de combustíveis aumentariam ainda mais.

Num momento em que é crítico reduzirmos a dependência energética da Rússia, esta proposta visa o contrário, ou seja, aquilo em que a Europa é já independente regride, e aumenta-se a sua dependência de terceiros. E num período em que temos de acelerar a transição energética propõe-se o contrário, reduzindo o peso das renováveis num dos setores com maior emissão de CO2.

Em conclusão, e no entendimento da APPB, esta é uma medida sem qualquer aderência económica, é contrária a tudo o que a Europa se propõe e não deve, obviamente, ser votada favoravelmente pelos representantes eleitos no Parlamento.