Não estava a brincar nem a fazer futurologia de bancada quando há algumas semanas escrevi que “os carros a pilhas são brincadeira cara”. Estava a referir-me aos carros cujas baterias fornecedoras de energia aos motores têm de estar por longos períodos ligadas à rede de distribuição elétrica (períodos de inação que em uso comercial contínuo são, desde logo, um desperdício), uma rede pública de tomadas que não existe e que provavelmente não existirá de modo universal, rápido e conveniente.

Escrevi que “a tecnologia de produção de energia móvel que melhor corresponde aos cinco atributos de Rogers [teoria da adoção de inovações] é a da célula a hidrogénio que produz a eletricidade no próprio veículo (carro, comboio) e que faz mover o motor.”

Esta teoria postula que uma inovação deve exibir, em relação ao que já existe, vantagem relativa, compatibilidade, complexidade fácil, fiabilidade e observabilidade. Um processo conhecido por “pontes de familiaridade”.

A mobilidade elétrica a partir do hidrogénio responde a estes cinco atributos e responde à necessidade de eliminar o uso de combustíveis fósseis. Há muitas matérias-primas utilizadas para a produção de hidrogénio, como o carvão ou o gás natural. Todavia, para ser totalmente “verde”, o hidrogénio deve ser produzido com recurso a energias renováveis tendo como matérias-primas a água (por eletrólise) ou a biomassa.

Há igualmente muitos tipos de células a hidrogénio. Os principais componentes de uma célula são um eletrólito (que poderá ser uma solução aquosa), um combustível, um ânodo e um cátodo. A sua invenção ocorreu quase em simultâneo no Reino Unido e na Alemanha, em 1838 e 1839.

Quando li o artigo “Last chance for the climate transition – Achieving zero emissions by 2050 would require unprecedented global co-operation” (Última hipótese para a transição climática – Alcançar zero emissões em 2050 exigiria uma cooperação global sem precedentes) de Martin Wolf (para assinantes), colunista chefe de economia do Financial Times, há poucos dias, fiquei ainda mais convencido da correção daquela minha asserção, não só quanto à necessidade de transição para o hidrogénio com origem na eletrólise, mas também quanto à dificuldade de adoção de novas tecnologias.

“Uma revolução”, escreve Martin Wolf. Dada a importância pública e global deste assunto, peço autorização ao FT para o citar longamente:

“O que deve ser feito? As discussões da semana passada [11-13 fevereiro 2020] no Fórum de Energia de Oslo esclareceram as coisas para mim. A minha principal conclusão foi que a única opção é uma transformação do nosso sistema energético atual para outro. Alguns sugerem que devemos interromper o crescimento também. Mas isso não seria apenas impossível, seria também in suficiente. (…)

“As conclusões são simples. Não deixaremos de confiar nos combustíveis fósseis escolhendo o empobrecimento universal. Mas também não podemos parar de usá-los em breve (…). Portanto, devemos acelerar maciçamente o progresso tecnológico da queima de combustíveis fósseis. Devemos ir além deles quase completamente. Se conseguirmos isso, a dimensão da nossa economia deixará de ser o problema: por maior que ela seja, deixará de emitir gases de efeito de estufa. Mas, repare-se, para alcançar essa meta em 2050, a taxa de redução de emissões por unidade de produção precisa de aumentar bastante.

“Isso é possível? Do ponto de vista tecnológico, parece que sim. Pelo menos assim argumenta a Energy Transitions Commission  em vários relatórios importantes. As ideias essenciais são simples. O núcleo do novo sistema de energia é a eletricidade gerada por meios renováveis (solar e eólica) e energia nuclear, o que necessita ser apoiado por uma variedade de sistemas de armazenamento (baterias, hidroeletricidade, hidrogénio e gás natural, com captura e armazenamento de carbono). As reduções de custos foram já suficientemente grandes, assim como o progresso tecnológico para viabilizar essa transição, a um custo gestionável.

“Seria, para todos os efeitos, uma revolução. Uma economia de carbono zero exigiria cerca de quatro a cinco vezes mais eletricidade do que a atual, toda proveniente de fontes não emissoras de carbono. Ao administrar essa economia, o hidrogénio (grande parte produzido por eletrólise) teria um papel essencial. O consumo de hidrogénio pode aumentar 11 vezes até 2050. (…)

Numa referência à dificuldade na adoção de inovações, Martin Wolf escreve que “há sempre uma grande inércia na mudança para novas tecnologias, especialmente em áreas onde métodos e sistemas familiares devem ser substituídos por métodos inteiramente novos. Sabemos muito bem como administrar uma economia de combustível fóssil de maneira confiável e em larga escala. Uma economia de energia confiável e inteiramente renovável é uma fera desconhecida. (…)

“Em suma, será necessário um esforço global histórico de um género nunca antes visto para evitar um perigo que ainda parece remoto para a grande maioria dos seres humanos.”

Entretanto, foi anunciado que em Sines se irá produzir hidrogénio em quantidade (“mais importante para a economia que a Autoeuropa”) e o ministro do Ambiente e Transição Energética  português, na sequência da recusa da Comissão Europeia para cofinanciar o gasoduto para França, sugeriu e bem que, em vez de transportar gás com efeito de estufa, o eventual tubo seja utilizado para o transporte de hidrogénio.