[weglot_switcher]

Os deputados mais desalinhados dos respetivos partidos

Prezam a liberdade de divergência política e não temem ser alvo de desconfiança ou prejudicados nas próximas eleições. “Um político que se rege pelo medo não deveria entrar” no Parlamento, afirma Berardo.
17 Dezembro 2017, 16h00

É na bancada parlamentar do PS que se verificam mais votos desalinhados com o respetivo partido. No “top desalinhados” da página “Hemiciclo.pt” (que se baseia em dados oficiais da Assembleia República), as sete primeiras posições são ocupadas por deputados socialistas: Paulo Trigo Pereira (45 votos desalinhados), Isabel Santos (35), Helena Roseta (33), Isabel Moreira (24), Carla Sousa (24), Bacelar de Vasconcelos (23) e Rosa Albernaz (22). Na oitava posição surge Rubina Berardo (22), do PSD. E seguem-se Ascenso Simões (22) do PS, Paula Teixeira da Cruz (22) do PSD, Pedro Carmo (21) do PS, Berta Cabral (19) do PSD, João Soares (19) do PS, Luís Graça (18) do PS, Wanda Guimarães (18) do PS e João Rebelo (17) do CDS-PP. Curiosamente, não há registo de um único voto desalinhado nas bancadas do PCP, BE e PEV.

Não por acaso, entre os três deputados mais desalinhados, dois são independentes (Trigo Pereira e Roseta), embora tenham sido eleitos nas listas do PS. A liberdade de divergência política é respeitada no interior do grupo parlamentar do PS? Ou tem sido de alguma forma prejudicada, ostracizada, alvo de desconfiança, por causa dessas posições desalinhadas? “A Constituição da República Portuguesa diz, no artigo 155º, que «os deputados exercem livremente o seu mandato». Sempre respeitei este princípio que se sobrepõe à disciplina de voto definida pela direção do grupo parlamentar em que me integro”, responde Roseta.

“Em 1982 renunciei ao mandato de deputada do PSD precisamente por uma questão de consciência, que me opôs à bancada. E já saí de dois partidos políticos, do PSD em 1986 e do PS em 2007, por incoerência entre as minhas posições e a disciplina partidária. Paguei o preço que se paga para continuar a ser independente, aos 70 anos. Não estou arrependida,“ sublinha.

No mesmo sentido aponta Isabel Santos, a segunda mais desalinhada, tendo a particularidade de ser militante do PS (ou seja, não tem o estatuto de independente como Trigo Pereira e Roseta). “A regra, dentro do grupo parlamentar do PS, é a liberdade de voto, exceto em matéria de Orçamento do Estado e moções de confiança ou de censura ao Governo. O respeito pela pluralidade de opiniões é uma das marcas genéticas do PS e, por isso, as divergências que tenho tido, em alguns casos, quanto à orientação de voto do grupo parlamentar, tem sido sempre respeitada,“ afirma Santos.

“Nunca senti qualquer tipo de desconfiança em relação à minha pessoa, nem sinto que seja prejudicada ou ostracizada por isso. Se algum dia o tivesse sentido teria reagido e ponderaria abandonar o grupo parlamentar. Porque entendo que o exercício das funções de deputado implica liberdade de consciência. No dia em que observasse que, dentro do grupo parlamentar do PS, havia qualquer tipo de constrangimentos à minha liberdade de opinião abandonaria esta função e regressaria ao exercício da minha profissão, com toda a tranquilidade,“ garante.

“Não somos autómatos”

Por sua vez, Isabel Moreira (que figura na quarta posição do “top desalinhados”) já foi independente mas deixou de o ser (ao filiar-se no PS em 2013). “Não tenho a perceção de ser muito desalinhada no que toca ao sentido de voto indicado pelo meu grupo parlamentar a cada momento. Se a estatística assim o diz, é bom perceber que quando voto em sentido divergente do grupo parlamentar do PS, faço-o respeitando as normas que nos regem. Nós temos liberdade de voto, exceto no que toca ao programa de governo e às questões de governação,“ sublinha. “A liberdade faz parte do património do PS e, por reflexo, do grupo parlamentar do PS. Ela é respeitada e, no meu caso, tenho-a visto valorizada, como enriquecedora do grupo parlamentar. De qualquer forma, faço por contribuir para a unidade. Só voto de forma desalinhada quando a minha consciência crítica sobre o assunto em causa assim o dita. Esta é a essência da função que exerço. Não somos autómatos. Pelo menos no PS.”

“Fiel à minha consciência”

E no PSD, a liberdade de divergência política de Rubina Berardo, por exemplo, é respeitada ou gera desconfiança? “Com todo o devido respeito pelo grupo parlamentar, não me preocupam essas matérias. Preocupa-me, sim, manter-me fiel à minha consciência e aos compromissos eleitorais que assumi. Considero ainda que o regime de disciplina de voto deve ser profundamente revisto, a bem da democracia, caso contrário corremos o risco de cavar um fosso ainda maior entre os eleitos e os eleitores,“ salienta Berardo.

Qualquer deputado pode usufruir dessa liberdade, ou implica algum estatuto e peso político dentro do PSD? E não teme vir a ser retirada das listas de candidatos nas próximas eleições legislativas? “Um político que se rege pelo medo não deveria entrar pelas portas da Assembleia da República. Racionalismo e ponderação, sim. Calculismos carreiristas que se baseiam no medo, é que não,“ responde a deputada madeirense.

Roseta também não teme, de todo, ser retirada das listas de candidatos. “A liberdade de consciência sobrepõe-se a tudo isso. Não sou controlável nem controleira. Mas creio que sou bastante previsível. Como costumo dizer, quando há dúvidas sobre o critério da decisão, opto pelo seguinte: na dúvida, pelos pequeninos. Ou seja, os mais pobres, os mais fracos, os que têm menos voz. Fui tantas vezes retirada de listas. Isso permitiu-me fazer e aprender outras coisas. Ser deputada não é uma função vitalícia,” declara a arquitecta.

Na perspetiva de Isabel Santos, “o peso político de cada um é construído pela forma como, ao longo do nosso percurso, afirmamos as nossas opções. Não temo ser retirada da lista de deputados, em próximas eleições, por ter divergido, algumas vezes, na minha orientação de voto. Sou dona do meu destino e estou certa de que a minha inclusão ou saída da lista de deputados dependerá unicamente da minha disponibilidade para tal e da vontade expressa pelos militantes do PS no distrito do Porto.”

No CDS-PP, o deputado mais desalinhado é João Rebelo. Essa liberdade é respeitada? “O meu sentido de voto é sempre debatido previamente com o liderança parlamentar. Todas as votações são aliás debatidas nas reuniões do grupo parlamentar prévias ao dia de votações. Aí todos os deputados podem manifestar as suas opiniões. Nesse sentido nunca fui prejudicado pelas minhas opções. Existem, sim, opiniões diferentes. E por vezes sou confrontado nos órgãos do partido sobre isso. Mas numa forma absolutamente democrática de escrutínio. Muitas vezes também por cidadãos, através do correio do deputado, com críticas ou apoios,“ responde.

Para desalinhar é preciso ter algum estatuto ou peso político dentro do partido? “O CDS é um partido profundamente democrático e as minhas divergências em matérias como liberdades individuais, política externa ou questões ligadas ao meio ambiente e meio animal já atravessaram várias legislaturas,“ salienta Rebelo. “Por vezes, o estatuto pode facilitar o desalinhamento. Mas não é, no meu partido, condição ‘sine qua non’”.

“Deputados da nação”

Sendo os deputados eleitos por determinados círculos eleitorais, a disciplina de voto imposta pelo partido nacional não é uma forma de distorção democrática, de afastamento entre o deputado e os respetivos eleitores? Nesse sentido, o sistema eleitoral português não é difuncional? “Além de eleitos por um círculo eleitoral somos antes de mais, como consagrado na Constituição, ‘deputados da nação’. As nossas opções devem ser determinadas pela nossa perceção do bem comum e o mais abrangentes possíveis. Essas opções têm obviamente todo o tipo de influências, limitações, inspirações e determinações que condicionam ou potenciam a nossa ação. Compromissos eleitorais, programa de governo, matriz ideológica do partido, origens sociais e familiares são elementos formadores das nossas opções. O sistema português, como todos os outros, terá as suas limitações, mas não é disfuncional,“ argumenta Rebelo. “Cumpre a sua função e vocação. Tem sido melhorado ao longo dos anos e poderá sê-lo mais. Mas o afastamento das pessoas da política tem muitas outras razões. E o Parlamento é seguramente a instituição mas incompreendida de Portugal.”

Questionada sobre a mesma matéria, Roseta diz que “a disciplina de voto não é um valor absoluto. Havendo compromissos eleitorais locais ou regionais contrários à orientação de voto da bancada, o deputado deve requerer liberdade de voto e agir em conformidade. O problema não é do sistema eleitoral, é da capacidade ou incapacidade de construir decisões coletivas de forma democrática.”

“Eleitores votam numa lista”

Entende os votos desalinhados dos respetivos partidos como uma prova da independência dos deputados e maturidade democrática, ou como um fator de imprevisibilidade que afeta a estabilidade política? “Com um sistema eleitoral de listas, como o nosso, entendo que há um núcleo de matérias no qual deve haver um grande esforço de convergência para garantir a estabilidade política, tais como orçamentos do Estado, moções de censura ou confiança e programas de Governo. Nas legislativas, os eleitores não votam num deputado em concreto, votam numa lista de um partido ou coligação. Não devemos defraudar a expectativa de quem nos elegeu. Mas isso implica um esforço grande dos eleitos para conseguir, passo a passo, decisões coletivas com a maior participação de todos os eleitos, respeitando os programas eleitorais que foram sufragados,” defende Roseta.

Por sua vez, Berardo responde da seguinte forma: “Recordemos o debate em torno da formação desta atual solução governativa do PS. Foi efusivamente sublinhado que o eleitorado português elege deputados e não governos, facto que é naturalmente evidente pela leitura do sistema político formal que temos em Portugal. Ora, tal princípio só fortalece essa ligação do eleitorado ao deputado do seu círculo eleitoral. A argumentação de que a partir do momento que um deputado é eleito se torna um deputado nacional, pode ser juridicamente válid,o mas nunca nos podemos esquecer da necessária ligação do círculo ao deputado. Esse é um equilíbrio difícil de atingir, mas é fundamental para aproximar eleitos e eleitores.”

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.