Entrou em funções há dois dias a nova Comissão Europeia, desta feita sob a liderança da antiga ministra da defesa da Alemanha, Ursula van der Leyen. À semelhança do que acontece sempre que um órgão executivo entra em funções e inicia um novo mandato, é sempre um momento de esperança e de expectativa que se abre, uma renovada oportuni­dade para o cumprimento de velhos desideratos, um novo horizonte que se rasga em vista do cumprimento de novas metas, novos objetivos e novos desafios.

Como foi devidamente assinalado no seu tempo devido, o novo executivo comunitário resultou de um difícil equilíbrio entre um número de fatores cada vez mais extenso: equi­líbrio de género, equilíbrio político-partidário, equilíbrio geográfico, vários outros… Só a necessidade de responder a esta multiplicidade de desafios foi suficiente para ga­rantir a dificuldade de formação do órgão colegial europeu.

Mas, pelo caminho, outros obstáculos e outros escolhos acabaram por surgir, obrigando à recomposição do colégio de comissá­rios inicialmente proposto, com a necessidade de substituição de alguns dos membros indicados, a mais mediática das quais terá sido precisamente a da indigitada comissária francesa.

No plano substantivo, porém, é importante atermo-nos às palavras que têm vindo a ser proferidas pela nova presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen. As princi­pais linhas de força, até ao momento, que nos têm vindo a ser transmitidas apontam para a valoriza­ção de duas grandes linhas de atuação por parte da próxima Comissão Europeia.

Em primeiro lugar, a aposta decisiva na dimensão verdadeiramente social da União. Detendo a Comissão Europeia (CE) o exclusivo e o monopólio do poder de iniciativa normativo e legislativo no quadro comunitário, a afirmação deste princípio por parte da nova presidente da CE é o garante de que o Conselho de Ministros e, portanto, os Estados-Membros da União se irão deparar, num futuro a curto e a médio prazo, com mais propostas legislativas no plano social. Para quem defende que a União Europeia (UE) não pode ser nem deve ser, apenas, um bloco económico, trata-se inquestiona­velmente de um desafio aliciante e de uma perspetiva muito animadora.

Não nos podemos esquecer dos muitos indicadores económicos que nos evidenciam o quão, no plano social, esta UE ainda tem de progredir e de se aprofundar. De todos eles, três mere­cem uma especial atenção: o elevado número de europeus que ainda vivem muito pró­ximo do limiar da pobreza ou da subsistência; o enorme “exército de desempregados” que ultrapassa os 20 milhões de europeus, que deveria envergonhar toda a Europa e que dificilmente poderá ser reduzido enquanto a União conhecer taxas médias de crescimento económico a rondar, tão-só, 1%; finalmente, o imenso desafio demográfico com que a União se defronta, com o enorme envelhecimento da sua população e a significativa re­dução da sua população ativa. Esta questão vai muito para além do que possa parecer à primeira vista, uma vez que não poderá ser dissociada daquilo que a UE venha a decidir em termos de migrações que neste momento demandam território europeu.

Em segundo lugar, a aposta decisiva na chamada “economia verde”. Ninguém de boa-fé pode questionar, hoje em dia, as necessidades e a urgência de serem introduzidas novas regras no funcionamento da economia que conduzam a um maior respeito pela natureza. A divina providência só nos legou uma única natureza e um único mundo – e quão pior o tratarmos pior nele viveremos. As regras que se impõem devem ser introduzidas com critério, ponderação e sem o radicalismo que muitos preconizam. Mas essa prudência não se pode confundir com inatividade ou, mais ainda, negacionismo do problema.

A Comis­são van der Leyen terá, nesta matéria, um papel e uma responsabilidade sem paralelo. As indicações que a nova presidente da Comissão já deixou expressas demonstram um discurso conservadoramente moderno, que deve ser prosseguido e concretizado, afinado pelo paradigma do respeito por algo que não nos pertence individualmente e que integra o património comum da humanidade.

Infelizmente, como não há bela sem senão, Ursula van der Leyen inicia o seu mandato à frente de um colégio de comissários incompleto por falta de representação britânica. Boris Johnson fez mais uma birra e, confundindo e misturando assuntos, recusou nomear um comissário antes das eleições do próximo dia 12 de dezembro. Qualquer análise jurídica, por mais perfunctória que seja, concluirá que uma coisa nada tem a ver com a outra. Exceto para Boris Johnson.

E se este facto poderá não afetar de forma substancial a ati­vidade da próxima Comissão Europeia enquanto titular do poder de iniciativa legislativa da União, atividade essa não sindicável pelo Tribunal de Justiça europeu, já a sua ativi­dade enquanto decisor administrativo, da vida e da máquina comunitária, não estará a salvo de ser questionada e avaliada pela jurisdição do Luxemburgo.

Será uma verdadeira espada de Dâmocles que não deixará de incidir sobre os primeiros tempos do mandato da nova Comissão Europeia, que vem trazer ao de cima o que já se começa a tornar uma evi­dência – a presença e pertença do Reino Unido à União Europeia começa a ser algo que já não é possível salvar e que, nessa lógica, mais vale que termine. E que termine o mais depressa possível. Se se esgotaram os argumentos capazes de fazer Londres e os britâni­cos reverterem a sua posição, então que se marchem – e quanto mais depressa melhor.

São, por isso, tempos novos e novos horizontes que se abrem sobre a União Europeia, ou o que dela resta. E para quem for, por natureza, um partidário deste modelo de integração, é impossível que não sejam, apesar de tudo, tempos de esperança.