A UE está numa encruzilhada política, social e financeira que poderá impactar o seu futuro. São muitos os desafios para serem resolvidos. No imediato, esses desafios podem ser resumidos: (1) controlar a crise de saúde pública; (2) minimizar os efeitos económicos, injetando liquidez nas empresas e reforçando as medidas de apoio social. A correta calibragem das medidas será decisiva a nível político – assegurando a estabilidade social – e financeiro, evitando falências em catadupa, uma recessão profunda e desemprego.

A dimensão destas duas realidades – saúde pública e robustez das finanças públicas – dependerá em larga escala do período de lockdown que vivemos, sendo que poderemos praticamente dar por adquirido dois factos: (1) teremos provavelmente a maior recessão da nossa democracia (a maior foi de 4% em 2012); (2) teremos um déficit significativo das contas públicas. A grande dúvida parece centrar-se se teremos mais dívida pública e é aqui que reside a discussão em torno dos denominados Eurobonds e num plano mais alargado, o futuro da União.

A atual discussão centra-se de forma muito simplista em dois cenários: (A) o acesso a empréstimos aos EM através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), assim como outros instrumentos de financiamento através do BEI num pacote de cerca de 500 mil milhões; ou (B) a mutualização da dívida através da emissão de dívida em nome da União.

O problema da primeira solução consiste naturalmente num acréscimo da dívida pública dos EM ao aderirem às linhas de crédito bonificadas, o que prejudica naturalmente países como a Itália (dívida pública de 138%), Grécia (180% do PIB) ou Portugal com cerca de 122%. Um acréscimo significativo da dívida pública colocaria pressão adicional sobre as contas públicas, com necessidade de ajustamentos na despesa ou aumento da receita fiscal.

A geração de excedentes primários seria crucial para retomar o caminho de amortização da dívida, assim como o acesso aos mercados a taxas competitivas, sob pena de necessidade de um novo bailout.

Do ponto de vista português, a imposição de uma dose adicional de austeridade colocaria desafios complexos, pois esta crise exigirá uma política orçamental expansionista para manter rendimentos e a produção. Do ponto de vista fiscal, um agravamento da carga fiscal teria um efeito contraciclo, diminuindo o consumo e o investimento. Para alem desta discussão, o grau de condicionalidade – um eufemismo para imposição de reformas e restrições orçamentais – divide os Estados-membros, com a Holanda à cabeça.

Por seu turno, a emissão de dívida conjunta – a solução defendida por muitos – não parece possível sem um aprofundamento da União, pois à união monetária faltam outros instrumentos como a união fiscal e política. A partilha de risco no seio da União exigiria a compleição da união bancária, a existência de um orçamento comum muito mais robusto, aprofundamento da harmonização fiscal e consequentemente um reforço das regras de disciplina orçamental.

Finalmente, a própria arquitetura política teria de ser alterada, com um reforço do federalismo e dos poderes da União – basta pensar que as políticas de saúde pública são uma competência exclusiva dos Estados-membros, o que explica em boa parte a dificuldade de estabelecer uma política coordenada ao longo da presente pandemia – o que parece estar longe de beneficiar de um mínimo de consenso junto dos eleitorados nacionais, os quais, aliás, perante a morosidade das respostas da União e os problemas que enfrentam tenderão a refugiar-se em políticas de pendor mais protecionistas e nacionalistas.

Este é um verdadeiro deal breaker para a UE, pois que: (1) escasseia o tempo; (2) o atual modelo político é totalmente desadequado para respostas comuns em tempo de crise; (3) o risco de desagregação é efetivo, pois desta vez a crise ataca violentamente três gigantes europeus, a Itália, França e Espanha. Mesmo o “Plano Marshall” defendido por Miguel Poiares Maduro – emissão de dívida pela Comissão financiada com recursos próprios – exigiria no mínimo a definição de uma política fiscal comum, sendo que parece faltar tempo e vontade política para o efeito.

Em suma, mais do que a falta de solidariedade, o que esta crise veio expor foram as fraquezas do atual modelo de construção europeia. Resta saber se existe vontade de a salvar.