O Orçamento do Estado (OE), para o próximo ano, encerra um vasto número de opções políticas que, infelizmente, não contrariam, de forma suficiente, a crise económica que o país atravessa e muitas das medidas não passam de “paliativos” que em nada contribuem para apoiar as empresas e os cidadãos.

O investimento do país em Ciência e Ensino  Superior, via dotação do OE, não obstante o aumento de 435 milhões de euros, continua a ser insuficiente face às necessidades de qualificação dos jovens e desenvolvimento tecnológico do país. Este investimento é estratégico, para o país poder exportar bens com maior incorporação de inovação e tecnologia, logo de maior valor acrescentado.

Portugal tem um gravíssimo problema de gestão e estratégia nas empresas de transportes públicos, pelo que a saga continuará e, em 2021, nada se resolverá, dado não haver força ou interesse político do governo em resolver o problema. Assim, na TAP, injectam-se até 1700 milhões de euros,  de forma mal escrutinada, porque não se percebe que problemas visam efectivamente resolver.

No tocante à CP, depois do rocambolesco episódio do engano, que consistiu na atribuição de 470 milhões de euros para o FROE (Fundo de Resolução do OE), o mesmo veio a ser corrigido e no final transformou-se num empréstimo à CP, no valor já referido. A CP continua a prestar um péssimo serviço público, particularmente fora da Linha do Norte, com material obsoleto, desconfortável e ligações a velocidades pouco razoáveis, no contexto dos padrões europeus da mobilidade.

Reconhece-se que um plano de reorganização e modernização ferroviária terá que ser projectado com um horizonte de pelo menos uma década, mas ainda não será em 2021 que  haverá o início de algo significativo. Sabemos que é muito  elevado o esforço financeiro dos portugueses com estas empresas, mas é manifestamente pouco o que recebem em troca.

O interior do país, mais uma vez,  é “castigado” pelas medidas do Governo e em particular no próximo OE. Uma das medidas propostas é a criação de um plano de deslocalização dos arquivos pertencentes às entidades da Administração Central até Junho de 2021. Ora, o interior não precisa de arquivos cuja falta de espaço e elevado custo do metro quadrado, em Lisboa, obriga a “empurrar” para o  interior.

O que o interior precisa é da deslocalização ponderada e assertiva de alguns serviços públicos, de investimento privado e de criação de postos de trabalho com discriminação fiscal adequada, para os incentivar e, assim, contrariar a desertificação. Será muito fácil “despejar” os arquivos da Administração Central no interior, mas quantos postos de trabalho vão efectivamente gerar? Aguardemos, pois, a posição dos autarcas do interior e dos cidadãos sobre a matéria.

No caso dos escalões do IRS, a redução da retenção fará certamente aumentar o valor líquido dos salários em 2021, o que implicará uma devolução menor no ano subsequente. Não passa, portanto, de uma ilusão, o eventual aumento de rendimento mensal disponível.

O caso do IVAucher, que permitirá devolução parcial aos contribuintes das despesas efectuadas na hotelaria, restauração e cultura, corre o risco de ser mal sucedido. Se os cidadãos estiverem confinados, sem se poderem deslocar nem usufruir de serviços ou até se perderem rendimentos, como vão passar férias e usufruir de serviços culturais? Esta ideia assenta num só pressuposto, que haja efectivamente consumo e disponibilidade para o mesmo. E se não houver?

O país tem na restauração, turismo e alojamento local,  um sector muito dinâmico e significativo, que muito cresceu nos últimos anos. Estes sectores de actividade são críticos e têm sido dos mais flagelados no contexto da Covid-19. O Governo “esqueceu-se” que estes somam quase meio milhão de trabalhadores que ficaram esquecidos ou ao abrigo de medidas pouco exequíveis. Teria sido mais fácil prolongar o lay-off e criar, atempadamente, verdadeiros estímulos à manutenção destas empresas, salvaguardando os postos de trabalho.

Infelizmente, no OE, não existe uma única medida de incentivo ao investimento e à criação de postos de trabalho. Quando a expectativa seria a de obter, da União Europeia, apoios extraordinários para este importante dossier, o espanto pela ausência de medidas, é total. Inimaginável, portanto.

O OE para 2021 é insuficiente, inadequado e em contraciclo europeu, dado não conter medidas de emergência de relançamento da economia, ao contrário de muitos países europeus que criaram mecanismos de apoio à manutenção dos postos de trabalho e ao investimento. Portugal fica muito mal no ranking dos países europeus que mais despenderam a combater os efeitos da crise económica provocada pela pandemia.

Os lesados do Orçamento do Estado são um conjunto de cidadãos e sectores de actividade económica, infelizmente cada vez maior, que ficam para trás, excluídos da lei, no sentido desta não os proteger ou apoiar.

Em tempos económica e socialmente conturbados, este OE não é adequado à situação que vivemos. Exigia-se um OE de “guerra”, adaptado às circunstâncias excepcionais do momento e que acima de tudo trouxesse esperança. Será que, com o já previsível orçamento rectificativo, ela chegará ainda a tempo?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.