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“Os otimistas triunfaram: as ações bateram a inflação, o dinheiro e as obrigações”

O co-autor de estudos sobre 117 anos de retornos de cinco classes de ativos nos mercados globais, explica que os investidores que assumiram o risco tiveram mais sucesso que os conservadores.
8 Novembro 2017, 07h10

‘O Triunfo dos Otimistas’ é o título do livro publicado pelo economista Elroy Dimson (com Paul Marsh e Mike Staunton) em 2002 baseado no estudo de 101 anos dos retornos dos investimentos globais. É também o título de uma conferência organizada pela Casa de Investimento e pelo Jornal Económico nos dias 15 de novembro (em Lisboa) e 16 de novembro (em Braga), na qual Dimson irá explicar as bases e as conclusões do estudo que foi sendo atualizando e engloba agora cinco classes de ativos em 23 países e ao longo de 117 anos.

Doutorado pela London Business School, Dimson é chair da Newton Centre for Endowment Asset Managament na Cambridge Judge Business School e Emeritus Professor of Finance na London Business School. Na sua vasta bibliografia, constam a co-autoria dos livros ‘Financial Markets History’ (2017, com e ‘Global Investment Returns Yearbook’ (2017), entre vários outros.

Como, quando e porquê desenvolveu a ideia de escrever “O Triunfo dos Otimistas”?
O esforço maior na pesquisa dos retornos dos investimentos globais iniciou-se no final dos anos 90. Com os meus colegas Paul Marsh e Mike Staunton, pretendíamos inicialmente fazer um estudo a ser publicado no novo milénio, no ano 2000. No início, pensávamos apenas em estender os dados do Reino Unido até 1900, uma aspiração estimulante. O nosso objetivo era comparar as experiências de investimento no longo prazo nos Estados Unidos e no Reino Unido. No entanto, como todos sabemos, os projetos de pesquisa evoluem à medida que o estudo é levado a cabo. Este acabou por ser também o nosso caso.
Mark Brown, o (então) responsável pelo research no ABN Amro, sugeriu a publicação de um livro, patrocinado pela sua empresa. Com este encorajamento, iniciamos a expansão do conjunto de países a incluir no livro. Descobrimos muitas pessoas que estavam a trabalhar isoladamente na compilação de registos para os mercados nacionais respetivos. O nosso estudo inicial (publicado pelo ABN Amro em 2000) englobava 10 mercados, com mais de um século de dados sobre os retornos anuais das principais classes de ativos em cada país.
Eventualmente, com a cooperação de um painel crescente de outros investigadores interessados em participar, encontrámos 16 mercados nacionais que incluímos em “O Triunfo dos Otimistas”, publicado pela Princeton University Press em 2002, de Dimson, Marsh e Staunton. Fomos afortunados. A investigação teve grande impacto e o seu alcance expandiu-se ao longo do tempo, cobrindo múltiplos tópicos em várias edições do nosso Global Investment Returns Yearbook. O nosso estudo inclui atualmente os principais mercados norte americanos, asiáticos, europeus e africanos desde 1900 até hoje, englobando cinco classes de ativos em 23 países e três regiões transnacionais.

Quais são as principais vantagens que um investidor, ou potencial investidor, pode obter através da análise de uma tão longa série de retornos de mercado?
Para compreendermos o risco e retorno, devemos analisar longos períodos de história. Isto porque os retornos dos ativos, e especialmente das ações, são bastante voláteis. Mesmo em períodos de 20 anos ou mais, podem observar-se retornos “invulgares”. Isto é facilmente ilustrável pela história recente. O século XXI teve início com um dos bear markets mais selvagens da história. Os danos causados infligidos às ações globais tiveram início em 2000 e, em março de 2003, as ações americanas tinham recuado 45%, os preços das ações no Reino Unido caíram para metade e as ações alemãs perderam dois terços. Os mercados encetaram então uma recuperação notável, com ganhos substanciais que reduziram e, em muitos países, eliminaram completamente as perdas do bear market. Os mercados mundiais registaram novos máximos em finais de outubro de 2007, apenas para mergulhar noutro épico bear market impulsionado pela crise financeira global. Os mercados fizeram mínimos em março de 2009 e encetaram nova recuperação admirável. No entanto, em termos reais, só em 2013 é que muitos dos maiores mercados mundiais atingiram novamente os níveis do início de 2000.
A nossa pesquisa sumariza as evidências históricas globais de longo prazo dos retornos de ações, obrigações, bilhetes de tesouro e taxas de câmbio, todas ajustadas para a inflação, ao longo dos 117 anos desde 1900. Atualizamos e expandimos os dados originalmente publicados no nosso livro de 2002, “O Triunfo dos Otimistas”. Dada a volatilidade dos retornos, os dados históricos de longo prazo são essenciais para a compreensão dos retornos dos ativos e as séries longas são necessárias não só para a minimização de erros de medição, mas também para a cobertura da mais larga banda possível de condições históricas de mercado.

Como define um otimista? Quais as suas caraterísticas? Estas evoluíram ao longo do tempo?
O título do livro resume a conclusão mais marcante da nossa investigação. Ao longo do século XX, aqueles que assumiram o risco e, com otimismo, investiram em ações conseguiram muito melhores retornos do que os seus homólogos mais conservadores que mantiveram obrigações de governos mais “seguras”. No longo prazo, os otimistas triunfaram: as ações bateram a inflação; as ações bateram o dinheiro; e as ações bateram as obrigações soberanas de longo prazo. Não apenas no Reino Unido e nos EUA, mas em todo o lado.

Os Professores Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton estudaram os retornos dos mercados financeiros ao longo dos últimos 117 anos. Quais foram as maiores alterações verificadas na composição dos principais mercados financeiros analisados?
Em 1900 – a data de início da nossa base de dados de retornos globais – praticamente ninguém tinha conduzido um carro, feito uma chamada telefónica, utilizado luz elétrica, visto um filme ou ouvido música gravada; ninguém tinha voado num avião, ouvido rádio, visto televisão, utilizado um computador, enviado um e-mail ou utilizado um smartphone. Não existiam radiografias, scanners corporais, testes de ADN ou transplantes; ninguém tinha tomado antibióticos. Devido a isto, muitos morreriam mais jovens. A humanidade beneficiou de uma vaga de inovação transformativa com origem na Revolução Industrial, continuou ao longo da Idade de Ouro da Invenção nos finais do século. XIX e estende-se agora pela atual era da informação. Estas transformações criaram novas indústrias – eletricidade e geração de energia, automóveis, indústria aeroespacial, companhias aéreas, telecomunicações, petróleo e gás, farmacêuticas e biotecnologia, computadores, tecnologia de informação, media e entretenimento. Entretanto, fabricantes de carruagens e carroças puxadas a cavalo, barcas, locomotivas a vapor, velas e fósforos viram as suas indústrias a entrar em declínio. Verificaram-se enormes alterações no que é produzido, como é fabricado e na forma como as pessoas vivem e trabalham.
Estas alterações podem ser observadas na evolução do tipo de empresas cotadas nos EUA assim como noutros mercados. No início do século XX, os mercados eram dominados por empresas ferroviárias. No Reino Unido, as empresas ferroviárias representavam quase metade do valor do mercado acionista, enquanto que nos EUA tinham um peso de 63%. 117 anos mais tarde, as ferroviárias caíram ao ponto da quase extinção no mercado acionista, representando menos de 1% nos Estados Unidos e quase zero no Reino Unido.
Das empresas americanas cotadas em 1900, mais de 80% do seu valor estava em indústrias que atualmente são pequenas ou extintas; o número no Reino Unido é de 65%. Para além das ferroviárias, outras indústrias que sofreram declínios vertiginosos foram, os têxteis, ferro, carvão e aço. Estas indústrias ainda existem, mas foram transferidas para locais mais baratos, em países emergentes. No entanto, as semelhanças entre 1900 e 2015 são também aparentes. As indústrias bancárias e de seguros continuam a ser importantes. Similarmente, as industrias da alimentação e bebidas (incluindo álcool), tabaco e utilities estavam presentes em 1900, tal como estão hoje. E no Reino Unido, as empresas mineiras cotadas eram importantes em 1900 e continuam a sê-lo atualmente, em Londres.
Mas mesmo as indústrias que à primeira vista parecem similares sofreram alterações radicais. Comparem, por exemplo, a telegrafia em 1900 com os smartphones de 2017. Ambos são, no seu tempo, alta tecnologia. Ou contrastem os transportes em 1900 – transportes marítimos, elétricos, docas – com as suas contrapartes modernas, companhias aéreas, autocarros e camiões. Dentro do sector manufatureiro e industrial, a lista de empresas de 1900 incluía o então maior fabricante de velas do mundo assim como o maior fabricante de fósforos.
Outra estatística que se destaca é a elevada proporção das empresas atuais cujas indústrias eram pequenas ou não existentes em 1900 – 62% do valor para os EUA e 47% para o Reino Unido. As maiores indústrias em 2017 são tecnologia (principalmente nos EUA), petróleo e gás, banca, saúde, o grupo das outras indústrias, minas (no Reino Unido), seguros, telecomunicações e retalho. Destas, petróleo, gás, tecnologia, saúde (incluindo farmacêuticas e biotecnologia) eram praticamente inexistentes em 1900. As telecomunicações e os media, tal como os conhecemos hoje, são também, na realidade, novas indústrias.

Como compararia as diferentes classes de ativos em termos de retorno ao longo de tão extenso período? As conclusões são semelhantes em todos os países, incluindo Portugal?
Analisamos os retornos reais anualizados de ações, obrigações e bilhetes do tesouro ao longo dos últimos 117 anos em 21 países com histórias de investimento contínuas mais o índice mundial, o índice mundial ex-EUA e Europa, ordenados por ordem ascendente de performance do mercado acionista. Os retornos reais das ações foram positivos em todos os locais, tipicamente a um nível de 3% a 6% por ano. As ações foram a classe de ativos com melhor performance em todo o lado. Outrossim, as obrigações bateram os bilhetes de tesouro em todos os países. Este padrão global, ações batendo obrigações e obrigações batendo bilhetes do tesouro, é o expectável no longo prazo, uma vez que as ações são mais arriscadas do que as obrigações e as obrigações mais arriscadas que os bilhetes do tesouro.
Embora na maior parte dos países as obrigações tenham um retorno real positivo, quatro países têm retornos negativos. A maioria destes países encontra-se também entre aqueles com pior performance nas ações. A sua fraca performance tem origem na primeira metade do século XX e estes foram os países que mais sofreram com a devastação da guerra e com períodos de alta ou hiperinflação, tipicamente associada com as guerras e o seu rescaldo.
Portugal bate cinco mercados acionistas, ficando assim colocado na metade inferior na ordenação dos países por retornos reais ajustados para a inflação. Nos mercados obrigacionistas, Portugal bate também cinco países, caindo nos 50% centrais dos mercados obrigacionistas ordenados por retornos reais ajustados para a inflação ao longo de 117 anos.

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