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Os poios agrícolas da Madeira

A terem-se conservado, seriam agora sérios candidatos a figurar na cobiçada lista da UNESCO. Hoje, para fazermos uma idéia de como eram, temos de recorrer aos registos fotográficos de revistas como o “The National Geographic Magazine” de 1959 e 1973, ou da “Merian” de 1969, documentos extraordinários de uma Madeira rural da qual já não restam senão alguns vestígios.
12 Dezembro 2017, 07h15

Os poios, designação dada na Madeira aos socalcos cultivados, são construções que, durante séculos, moldaram a paisagem rural da ilha. Os poios testemunham o engenho e esforço das muitas gerações de agricultores que desde o início do povoamento, esgotadas as fajãs, tiraram o seu sustento das vertentes da montanha. A relação abissal de algumas destras construções com as arribas e vales escarpados da ilha eram motivo de espanto para quem a visitava. Escassez, abnegação e coragem não são suficientes para explicar o esforço humano que, desafiando o abismo, foi capaz de moldar tal paisagem. Confrontados com este dramatismo, parecem suaves os socalcos do Alto Douro Vinhateiro e monótonos os longos muros de pedra que protegem do vento as vinhas da ilha do Pico, nos Açores, duas belas paisagens portuguesas hoje classificadas como património mundial da UNESCO.

Na Madeira foi classificada, em 1999, a floresta Laurisilva, aguardando-se que a rede de levadas, com toda a justiça, o venha a ser também. O mesmo já não se pode dizer dos poios agrícolas que, se há algumas décadas atrás mantinham ainda vivas as suas características únicas, foram sendo progressivamente abandonados. A terem-se conservado, seriam agora sérios candidatos a figurar na cobiçada lista da UNESCO. Hoje, para fazermos uma idéia de como eram, temos de recorrer aos registos fotográficos de revistas como o “The National Geographic Magazine” de 1959 e 1973, ou da “Merian” de 1969, documentos extraordinários de uma Madeira rural da qual já não restam senão alguns vestígios.

Num certo sentido, ainda bem que assim é, porque subjacente a esta extraordinária paisagem estava uma agricultura de escassez e subsistência, praticada por uma população que vivia no limiar da pobreza e do analfabetismo. A verdade, porém, é que vistas as coisas de outro ângulo, o seu desaparecimento é, também, uma perda enorme. Com efeito, a maioria destes agricultores, apesar das duras condições em que labutavam, e da sua condição de iletrados, eram herdeiros de saberes ancestrais que, irremediavelmente, se estão a perder. Saberes que, num invejável equilíbrio com o meio, lhes permitiram construir sólidos muros de pedra arrumada que sustentavam solos estáveis e produtivos, resistentes à erosão e à aspreza das chuvas torrenciais que sempre fustigaram o arquipélago.

Leio em edição recente deste jornal que entre 2013 a 2016 a Superfície Agrícola Utilizada da Madeira sofreu uma redução da ordem dos 7%. O recuo da agricultura parece não ter fim, dando continuidade a um processo que se iniciou há mais de meio século. Concomitantemente, a urbanização do território progride, polarizada pelo Funchal e incorporando quatro antigas vilas entretanto elevadas a cidade: Câmara de Lobos, Caniço, Santa Cruz e Machico. Que lugar e que forma assumirá a agricultura das próximas décadas? Qual o futuro desta nova paisagem onde o rural e urbano se interpenetram formando um mosaico cujo padrão temos dificuldade em discernir? Eis algumas questões a que gostaria de poder dar resposta. Se a tivesse.

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