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Os primeiros dias de Paulo Macedo à frente do banco público

No primeiro dia do mandato, o novo presidente da Caixa Geral de Depósitos chegou antes das oito horas. Enviou uma carta aos trabalhadores e iniciou uma maratona de reuniões – por vezes interrompidas por breves refeições no próprio banco. Quem o conhece de perto vê um homem discreto, pragmático e com sentido de humor.
11 Fevereiro 2017, 11h00

Paulo José Ribeiro Moita de Macedo, 53 anos, chegou no primeiro dia do mês de fevereiro, à Avenida João XXI em Lisboa, quartel-general da Caixa Geral de Depósitos (CGD), para assumir as funções de presidente executivo. O ponteiro do relógio ainda não marcava 8h e o novo homem-forte do banco público inaugurava um novo mandato da administração, após a renúncia ao cargo de António Domingues, que o assumiu por uns escassos três meses – na liderança mais curta da instituição criada a 10 de abril de 1876, no reinado de D. Luís.

Começa, assim, um novo capítulo da Caixa que pôs um ponto final a outro que envolveu o banco num turbilhão mediático, marcado pela polémica em torno da entrega das declarações de rendimento da administração cessante junto do Tribunal Constitucional.

Esta nova etapa do banco público será pautada por um estilo de liderança que passa, desde a primeira hora, por envolver os trabalhadores nos desafios que têm pela frente. Não é, por isso, de estranhar, a mensagem que consta da carta que lhes foi enviada logo na manhã de 1 de Fevereiro: “Construir com os trabalhadores uma Caixa sólida, rentável, geradora de confiança para as empresas e as famílias”.

Ficou, assim, o apelo à colaboração de todos para alcançar os objetivos traçados: capitalização, reestruturação e rentabilidade do banco público. E as frases-chave da mensagem electrónica – “É tempo de executar. De agir. De trabalhar” – já foram, inclusive, aproveitadas no anúncio à nova linha de crédito ‘Capitalizar’, de 1.600 milhões de euros, dirigida às micro e PME.

A equipa liderada por Paulo Macedo entra numa altura importante de reestruturação e recapitalização da instituição financeira. Ocorre uma semana após o BCE ter dado luz verde ao nome do ex-ministro da Saúde de Passos Coelho e à sua equipa que conta com oito elementos, dos quais sete executivos (num total de oito executivos e oito não executivos, cujos nomes aguardam ainda luz verde do BCE).

Face ao caderno de encargos da nova gestão, que inclui ainda o encerramento das contas de 2016 que deverão registar o maior prejuízo da história do banco público, desde o primeiro dia é intensa a agenda do ex-líder da antiga Direcção-geral dos Impostos, onde começou a granjear a experiência política que faltava a António Domingues.

O gestor vive a sua hora de trabalho ao minuto, em que nenhum segundo é desperdiçado. Conhecido como pragmático, Macedo marca as regras, mas não marca a distância com os seus colaboradores. Diz quem o conhece que “não é um autocrata”, uma definição de gestão com poder absoluto que não encaixa em Paulo Macedo. Dá aos colaboradores abertura para sugestões e, frisa um colaborador próximo, até fez questão de conhecer pessoalmente cada um dos rostos das várias direções da CGD ao longo da sua primeira semana de trabalho. Um contacto possibilitado à mesa do pequeno almoço com grupos de directores do banco, porque o relógio não pára e a sua forma de estar é orientada para resultados, onde não deixa de fixar métodos e timings.

Maratona de reuniões

A maratona de reuniões – interrompidas por breves almoços, algumas vezes no próprio banco – começou logo pela manhã de 1 de fevereiro, após o tiro de partida da reunião do conselho de administração para distribuição de pelouros da sua equipa de dois presidentes (Rui Vilar, que transita da administração de Domingues, é o chairman), sete homens e uma mulher – Maria João Carioca, a única administradora que ainda não entrou na CGD, só deverá iniciar funções a 6 de março porque ainda não deixou a presidência da Euronext Lisboa, uma vez que a bolsa de valores ainda não encontrou substituto para o cargo.

Paulo Macedo levou para a comissão executiva da Caixa três quadros com experiência de administração na banca (Francisco Cary e José João Guilherme, ex-administradores do Novo Banco), um diretor da própria casa (José de Brito), um adjunto do Ministério das Finanças (Nuno de Carvalho Martins), e manteve um gestor nomeado pelo seu antecessor (João Tudela Martins), tendo também herdado um não executivo que subiu a presidente do conselho de administração (Rui Vilar). A única mulher da equipa, Maria João Carioca, regressa à CGD após uma passagem pela administração de José de Matos, da qual saiu em 2016 para ir liderar a Euronext Lisboa.

No primeiro dia de trabalho de Paulo Macedo, as reuniões de Paulo Macedo sucederam-se numa agenda que contou também com encontros com os directores de primeira linha da Caixa e uma reunião do comité comercial, que teve a presença dos administradores José João Guilherme e Francisco Cary. Ao início da tarde, o chairman pediu telefonicamente uma audiência com o Presidente da República. O encontro aconteceu no final do primeiro dia de mandato de Paulo Macedo e Rui Vilar à frente da CGD. Foram recebidos por Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, em Lisboa e o Presidente desejou “felicidades no exercício” das funções aos novos dirigentes do banco público.

No segundo dia de mandato, sucederam-se novas reuniões de trabalho, com Paulo Macedo a receber logo de manhã os responsáveis dos Recursos Humanos (área organizativa que chamou a si), a quem apresentou os objetivos da Caixa. E no terceiro dia, já perto do fim-de-semana, registaram-se visitas do novo presidente da CGD aos balcões do banco na rua do Ouro e das Amoreiras, em Lisboa, onde o gestor falou com cada um dos funcionários. Um estilo de liderança que difere do seu antecessor, que não chegou a visitar as agências, remetendo a tarefa para o então administrador do pelouro.

Enquanto Macedo visitava as agências do banco público na capital, os balcões da Caixa no Porto, Coimbra, Leiria e Aveiro eram visitados pelo administrador José João Guilherme, que entre as suas competências tem áreas como a direcção de particulares e negócios do Centro, Lisboa, Norte e Sul.

A apresentação dos objectivos da CGD foi estendida, nos dias seguintes, às restantes estruturas internas do banco, em encontros que também contaram com a comissão de trabalhadores e com o STEC – Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo CGD que, no final de dezembro, apelou ao Executivo a que se pusesse um fim definitivo na campanha sobre a Caixa.

O repto do STEC apontava como um “imperativo nacional” que a escalada de opiniões, comentários e especulações sobre a Caixa, que se assistiam há semanas, fosse travada. Para os sindicalistas, estava a afetar a imagem da CGD, a provocar intranquilidade nos clientes e nos trabalhadores, a prejudicar o seu funcionamento.

Objetivo: tranquilidade

Devolver tranquilidade e o normal do funcionamento do banco – que durante o mês de janeiro teve um vazio de gestão com a saída de Domingues logo no fim de dezembro – marca, assim, o início do mandato de Paulo Macedo, que somam já oito dias de trabalho com uma carga horária diária de 13 horas para conhecer dossiês e realizar reuniões internas. Na primeira semana de início de funções, realizaram-se ainda encontros com o Banco de Portugal e a Associação Portuguesa de Bancos. Isto numa altura em que se intensificam os trabalhos para o encerramento das contas do exercício de 2016, que deverão registar um prejuízo entre dois a três mil milhões de euros e cujo fecho antecede a segunda fase do processo de recapitalização com a emissão de mil milhões de euros de dívida subordinada (num primeiro momento serão 500 milhões) e a injecção directa do Estado de 2,7 mil milhões de euros, que servirá para o banco assumir maiores níveis de imparidades (perdas potenciais, nomeadamente com créditos), cumprir rácios de capital mais exigentes e ainda fazer face aos custos de reestruturação.

Este plano de recapitalização e reestruturação, traçado por António Domingues, prevê a saída de 2.200 trabalhadores até 2020, entre rescisões e pré-reformas, e o fecho entre 150 e 200 agências da CGD nos próximos anos. Mas Paulo Macedo introduziu um novo pilar que passou despercebido por muitos: uma orientação estratégica virada para fora, com vista à melhoria do serviço ao cliente e aos timings de resposta. O novo homem-forte da Caixa quer apostar na área da digitalização, simplificação de processos e de oferta.

Na visita ao balcão das Amoreiras, o novo CEO, que considerou “robusto” o plano aprovado por Bruxelas, tinha já sinalizado que, independentemente deste plano, haveria sempre necessidade de adaptar a CGD aos novos tempos, para ter uma “melhor análise de risco” e “melhores infra-estruturas para servir os clientes”.

Consultoria, Governo e banca

Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (terminou com média de 15 valores e foi onde conheceu a mulher, Filomena, com quem tem dois gémeos), Paulo Macedo foi professor universitário no ISEG, em simultâneo com trabalho na divisão de Consultoria Fiscal na Arthur Andersen. Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças, e próximo do agora líder da CGD há 30 anos lembra esses tempos: “Era um jovem auditor de formação de base executiva. Fiquei surpreendido pela sua visão da gestão. Não tem a mera formação contabilística. Tem uma visão ampla da economia portuguesa e elevadas competências técnicas e de gestão”.

No currículo profissional, o gestor conta ainda com a docência no instituto da Universidade Técnica de Lisboa e no programa de MBA da AESE. Entre 2008 e 2011, foi vice-presidente do Conselho de Administração Executivo do BCP, banco onde entrou em meados dos anos 90 e ocupou diversos cargos desde o marketing até à secção comercial de cartões de crédito. Em 2004 foi convidado pela antiga ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, para director-geral dos Impostos, onde esteve até 2007. “Tem um sentido de humor apurado. É determinado e com capacidade de liderança”, diz uma fonte próxima do gestor.

Entre 2011 e 2015 ocupou o cargo de ministro da Saúde, numa altura em que o país enfrentava um resgate financeiro e o controlo dos gastos com o Serviço Nacional de Saúde era uma matéria sensível. “Nos últimos anos é a quem o país deve a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde num contexto muito difícil. Na área da saúde, Paulo Macedo desempenhou magistralmente esse papel. O ponto para o futuro é como se harmoniza o sistema nacional de saúde por forma a que estes dois sectores trabalhem em conjunto na optimização dos resultados da Saúde no nosso País”, afirmou a gestora Isabel Vaz, CEO da Luz Saúde, numa entrevista ao Diário Económico, em 2015.

Paulo Macedo cresceu no seio de uma família de classe média. Filho de um artista plástico herdou o gosto por obras de arte: Almada Negreiros, Júlio Pomar ou Cutileiro são alguns dos artistas preferidos. Gosta de humor (de Ricardo Araújo Pereira aos Monty Python), de ler Miguel Torga, Lobo Antunes ou Jean-Paul Sartre. O gosto pela banda desenhada é outros dos ‘hobbies’ – leu os livros de Astérix e Lucky Luke. Tal como os heróis de BD, Paulo Macedo tem pela frente uma aventura, porventura mais complexa: liderar a CGD e garantir o relançamento do banco como referência no financiamento da economia nacional.

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