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Ouro às toneladas e notas às paletes. Este é o cofre mais importante do país

Não é a caixa-forte do Tio Patinhas, mas não fica atrás. No Carregado, o Banco de Portugal guarda o ouro e o dinheiro do país: são 173 toneladas de ouro e mais de 130 milhões de notas de diferentes denominações. Fomos visitá-lo.
24 Maio 2022, 06h50

Quem enverga pelas estradas industriais do Carregado pode nem reparar que ali está a maior reserva de riqueza do país. De um lado da estrada, aptamente batizada Estrada do Banco de Portugal, há uma fábrica de batatas fritas. Do outro, uma empresa de equipamentos de refrigeração. No meio está o mealheiro do Estado português.

Dentro do Complexo do Carregado, o Banco de Portugal armazena a reserva de ouro nacional, bem como a reserva fiduciária, mas tal como numa (legítima) nota de euro, há aqui mais do que aparenta à primeira vista.

Dentro da Casa Forte de Reserva, como se chama, estão 173 toneladas de ouro: amoedado ou em cerca de 13 mil lingotes, cada um a pesar cerca de 13 quilogramas. Alguns deles tão antigos que ainda ostentam a foice e o martelo da URSS. Nestas prateleiras, está a 14.ª maior reserva de ouro do mundo e a 6.ª maior da Europa ocidental.

Quem olha para o espaçoso armazém forrado a prateleiras de ouro é capaz de pensar que é até muito, contudo, a maioria do ouro português nem sequer está aqui.

Cerca de 49% dele (186 toneladas) está no Banco de Inglaterra. Outras remessas estão guardadas na Reserva Federal norte-americana (Fed) e há também ouro luso nos cofres alemães. Não é de estranhar: a colocação de ouro noutros países é prática comum entre os bancos centrais, enquanto medida de rentabilização do ativo. E que rentabilização tem sido.

O metal está cada vez mais precioso

O ouro que está guardado no Banco de Portugal valorizou em 4,3% durante o ano passado e vale agora 19,8 mil milhões de euros – quase 10% do PIB nacional. As reservas nacionais impediram uma quebra maior do lucro do Banco de Portugal, que foi apresentado a 17 de maio, sem sequer sairem do cofre onde estão.

A valorização não se deve a uma flutuação na quantidade de ouro detida, que permanece a mesma, mas uma simples mudança de código-postal fez valorizar o metal português. Em 2021, cerca de 4 toneladas de ouro do Banco de Portugal que estavam na Fed foram transferidas para o Banco de França, com o objetivo de potenciar a rentabilidade e manter o ouro dentro do Eurossistema, a autoridade responsável pela política monetária da zona Euro.

Portugal não vende ouro desde 2007, em virtude de um acordo de estabilização a nível europeu

Mas nem só de ouro se enche o Carregado. Aqui há também notas, de todos os feitios e denominações. São cerca de 2,6 mil milhões de euros. Para colocar em perspetiva, é tanto quanto o Orçamento do Estado para 2022 prevê gastar em apoio à recuperação das empresas, ou seja, muito dinheiro.

Ao todo, a reserva fiduciária conta com cerca de 130 milhões e 850 mil notas que estão prontas a entrar em circulação. Devidamente embaladas, empaletadas e armazenadas num cofre. Manusear milhões de euros, todos os dias, é dia-a-dia de quem aqui trabalha, sob intensas medidas de segurança e vigilância improváveis de vermos noutros sectores.

Contudo, e porque o ouro não precisa de ser afagado e as notas alimentadas, uma boa parte das operações diárias focam-se naquilo que chega, e não naquilo que sai.

Deram-lhe uma nota rasgada? O Banco de Portugal restitui o valor

Ao Banco de Portugal chegam remessas de notas, enviadas pelos bancos, empresas ou até particulares, que por algum motivo foram assinaladas. É o caso das notas impactadas com tinta das caixas multibanco, notas rasgadas, queimadas, desfeitas ou quase decompostas (há quem as enterre e se esqueça, garantem-nos). As notas que chegarem com mais de 50% da superfície recuperável, através de restauro, são recuperadas e colocadas em circulação, ou o seu valor é restituído aos proprietários. As restantes são esmigalhadas, compactadas e queimadas para produzir energia.

Utilizar este serviço do banco central não tem qualquer custo

E no meio destas, chegam outras, que captam a atenção: são contrafeitas. Aqui só chegam as notas falsas cuja origem foi impossível determinar – quando é esse o caso, encarrega-se a Polícia Judiciária das perícias. Embora a contrafação de notas e moedas não seja tão significativa como antes, aproxima-se a época alta: é no verão e perto do fim do ano que mais circulam notas falsas.

Os elementos de segurança das notas, como os hologramas, filetes, relevos, tintas e marcas, são os mais óbvios de identificar mesmo sem aparelhos próprios, mas também as moedas são alvo de atenção, particularmente a moeda de dois euros, cujo magnetismo e relevo pontilhado do mapa europeu são chaves para determinar a legitimidade.

No laboratório que recebe algumas destas moedas e notas, é-nos explicado que são estudadas ao pormenor. Toda a informação relevante é compilada num relatório partilhado entre os bancos centrais, de forma a identificar as novas técnicas utilizadas bem como a melhor forma de as detetar. À medida que a prevalência do uso de dinheiro físico desce, a perspetiva de quem aqui trabalha é de que, ainda assim, haverá sempre contrafação de monetário.

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