A comunicação social tem vindo a dar eco às queixas dos aforradores e aos estudos publicados segundo os quais Portugal é o segundo pior país da União Europeia (UE) a remunerar os depósitos a prazo. Os partidos políticos têm vindo a agitar-se e o Presidente da República tem ajudado à festa. Isto dito, como em tudo, convém separar os factos dos mitos e apontar caminhos de ação.

Mito: os bancos estão a ter lucros anormais. Facto: com as políticas bizarras de taxas de juro zero ou negativas dos bancos centrais, os bancos comerciais passaram por mais de uma década de prejuízos ou rendibilidades tão baixas que não cobriam o custo de capital. Encerramentos de balcões, despedimentos e salários baixos dos trabalhadores foram a consequência. Agora estamos apenas num período de normalização.

Mito: os bancos pagam muito aos seus trabalhadores. Facto: os membros das comissões executivas e dos conselhos de administração têm beneficiado de aumentos de dois dígitos altos nas suas remunerações nos últimos dois anos, à boleia da normalização dos níveis de lucro. Mas os quadros diretivos, técnicos, comerciais e demais trabalhadores (nisto incluindo os reformados) têm tido atualizações pecuniárias que não cobrem a inflação.

Mito: os bancos não pagam decentemente pelas poupanças a prazo porque estão em cartel. Facto: os bancos não pagam porque não precisam.

Este último ponto carece de explicação mais aprofundada. O sistema bancário operante em Portugal tem um rácio de crédito/depósitos na casa dos 85% a 90%, cerca de 10 pontos percentuais abaixo do que se passa na média da UE. Adicionalmente, o crédito a empresas e à habitação, em termos de fluxo, está a diminuir ou em acentuada tendência para reduzir. Portanto, ao contrário de outros países da UE, os bancos em Portugal financiam-se, primariamente, com os depósitos dos seus clientes e são excendentários em termos de necessidades de liquidez. Não obstante a hemorragia para os certificados de aforro.

A inércia dos clientes, o pouco tempo dispensando a comparar melhores alternativas de remuneração, a sua baixa literacia financeira, o atavismo, depois de uma década e meia de baixa inflação, de considerarem que os depósitos não são fonte de rendimento, entre outros motivos, explicam a aparente calma olímpica dos responsáveis da banca no tema da remuneração dos depósitos. Não remuneram mais porque os aforradores não demonstram que isso seja um tema suficientemente relevante.

Claro que o académico tornado ministro, sem nunca ter implementado nenhuma das medidas que defendia antes, mais tarde tornado governador, não tem resistido ao papel de oráculo, qual profeta dos tempos modernos. Primeiro, profetizou que a inflação era temporária. Depois que era necessária maior concentração no mercado bancário português. Mais recentemente que os bancos deveriam remunerar melhor os depósitos.

Desde 1972 (Brian Griffiths) que todos sabemos que a concentração bancária (fusões, aquisições, absorções) atua contrariamente ao interesse público, ao reduzir a concorrência na captação de depósitos (e na concessão de crédito). Por isso, tendo os cinco maiores bancos a operar em Portugal quotas de mercado entre os 85% e os 90% nos depósitos, nos pagamentos e no crédito, não espanta que sejamos dos países onde o sistema bancário pior remunera as poupanças e mais cobra pelo crédito. Estranha-se, por isso, as afirmações do oráculo da Almirante Reis.

Impedir a concentração deveria ser o desiderato de qualquer regulador que se preze. Pelo contrário, afirmações como aquelas que foram feitas, ou o aumento dos requisitos e custos regulatórios, especialmente sobre os bancos locais e regionais, só serve para empurrar os bancos para a concentração, contrária ao interesse dos cidadãos.

E se o senhor governador quer ser mais consequente, pode colocar o banco público, a Caixa Geral de Depósitos, a remunerar de forma adequada os depósitos. Garanto que seria muito mais eficaz de que os discursos sonsos de regulador ou inflamados de agentes políticos. E resolvia de vez o tema. Sem risco para os contribuintes. Se não for para isto que serve um banco público…

Finalmente, os agentes políticos, se acreditam que existe cartel, coisa absolutamente com pouca verosimilhança, têm bom remédio: tornem a cartelização economicamente penalizante, aumentando os poderes da Autoridade da Concorrência de forma a que as suas decisões não sejam desacreditadas pelos Tribunais de Concorrência; aumentem as multas por cartelização (vários estudos empíricos apontam que estas devem ser seis a sete vezes o valor dos lucros anormais gerados pelo cartel) e legislem no sentido de que um par de juízes sem formação económica não destrua, por ignorância, o trabalho daquela Autoridade; finalmente, às multas corporativas juntem sanções pessoais aos dirigentes das empresas que atuem em cartelização.

Chega de mitos e oráculos. Bastam-nos factos. Precisamos de ação.