António Piçarra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em entrevista ao “Expresso” e à SIC afirmou que a Justiça portuguesa “… está como estas obras”, “parada e destruída“ e que, em Portugal, “ninguém acredita na Justiça”.

Com efeito, o ar está irrespirável no Tribunal da Relação de Lisboa, um dos Tribunais de cúpula do nosso sistema judicial, o que é, numa democracia, madura e evoluída, intolerável.

Os fortes indícios de abuso de poder e violação do dever de exclusividade não podem deixar de nos deixar a todos, no mínimo, apreensivos.

A possibilidade de manipulação no sorteio de atribuição de Processos sempre será uma inadmissível e franca violação da garantia e direito constitucional ao Juiz natural, cuja razão de ser da sua consagração com tal dignidade, ao nível da hierarquia das Leis, assenta na garantia da independência dos Tribunais e dos Juízes, proibindo-se, assim, a constituição de Tribunais ad hoc e de Tribunais ad causam, por autoridades administrativas ou políticas, à margem da organização judiciária vigente no nosso ordenamento jurídico.

E, no que tange a possibilidade de manipulação do sorteio de Processos, tal facto tem de fazer a Advocacia reflectir profundamente sobre o elevado grau de possibilidade de falibilidade do actual sistema de votação, no que respeita aos seus próprios Órgãos, e voltar a alterá-lo, sob pena de nunca mais deixarem de governar sob suspeição.

Não pode continuar a fazer-se a investigação criminal colocando em causa o sigilo profissional.

Não é aceitável, numa Nação evoluída, que continue a ser possível realizar-se buscas a um escritório de Advocacia para apreender correspondência entre Advogados e Constituintes, sem que o Advogado seja suspeito de ter cometido ou auxiliado o Cliente a cometer um qualquer crime.

E a mesma linha de raciocínio tem de ser aplicada quando se constitui um Advogado Arguido unicamente para legitimar processualmente a busca.

É inconcebível que Advogados sejam convocados para depor como Testemunhas, pelo Ministério Público, em processos em que são Arguidos os seus Clientes, apenas porque são Advogados desse sujeito processual.

É preciso nunca esquecer que faz parte do múnus da Advocacia auxiliar os cidadãos na defesa dos seus interesses legítimos, e ao proceder assim, a Advocacia está a observar diligentemente a sua obrigação profissional e está, concomitantemente e sobretudo, a garantir o bom funcionamento do Estado de Direito, contribuindo eficazmente, para a sua consolidação.

No arco constitucional pátrio, as imunidades profissionais e as prerrogativas constitucionais aí plasmadas e inerentes ao exercício da Profissão de Advogado, com especial importância para o dever de garantir o sigilo profissional, são garantias, alheias e não próprias dos Advogados, posto que são garantias dos cidadãos.

É imperativo que, definitivamente, se compreenda que tal é coessencial à boa administração da Justiça, pelo que é necessário que a Ordem dos Advogados, enquanto associação pública profissional representativa de toda a classe, assegure que os Magistrados respeitam o sigilo profissional dos Advogados, enquanto valor matricial da ordem jurídica e que a sua quebra não pode ter por objectivo fins últimos da investigação criminal.

Tudo o que se deixa dito, obviamente, não se pode confundir com o facto de um Advogado ter praticado um crime, no exercício da profissão, contexto em que deve ser julgado e tratado pela Justiça como qualquer outro cidadão.

Assim como os Magistrados devem actuar com recato, sem instigar a pulsão pelo voyeurismo de uma sociedade da era da comunicação rápida e fácil, evitando mediatizar as diligências e colocar os Processos Judiciais sob o escrutínio do pronto e indesejável “julgamento popular”, transformando a administração da Justiça num “show mediático”, com as consequências tão negativas que tal circunstância tem aportado à nossa Democracia.

É, pois, neste conspecto, urgente combater eficazmente a violação reiterada do segredo de justiça, para que os jornalistas, na ânsia das audiências, deixem de conseguir ser os primeiros a chegar aos locais onde as diligências se vão realizar, mesmo em fases processuais em que os Processos Judiciais ainda estão sob sigilo.

Tudo isto são sintomas inequívocos, não de uma Justiça em obras – o que atento o que se apontou até seria bom – mas de uma Justiça doente, de um caso suspeito validado.

Terá de ser a comunidade formada aqueles que colaboram na administração da Justiça e que participam e compõem o sistema de Justiça a estar comprometidos com a protecção da “saúde” e da “segurança” de todos, tendo também um papel importante a desempenhar na limitação do impacto negativo deste “surto” na comunidade.

Mas neste caso particular, o da Justiça, não é aconselhável inserir no “plano de contingência” medidas que passem por “lavar frequentemente as mãos”, porque em matéria de Administração da Justiça, sabemos, desde há quase 2000 anos, o que tal significa.