A minha expectativa para 2022 é simples: gostaria que em Portugal se construísse um verdadeiro estado de direito. Para lá chegarmos, temos que dar alguns passos importantes:

  1. O sistema de justiça não pode ter medo da sua modernização. Cada corporação deveria olhar a floresta em lugar da sua árvore privativa. Se o sistema no seu conjunto funcionar com eficiência, todos ganham. Os poderes legislativo e executivo deverão ter a coragem de olhar para lá dos ciclos eleitorais. Encontrar países onde a justiça funciona adequadamente e procurar saber como e porquê. Desenhar uma reforma que não adicione camadas de complexidade, mas que procure simplificar, com transparência e com lógica (v. neste sentido, o recente relatório da SEDES).
  2. O sistema de justiça deve estar aberto a todos. Como bem refere Richard Susskind, o tribunal é um serviço, não um lugar. Daí que seja tão importante quanto urgente uma profunda digitalização da justiça. Não apenas atualizar máquinas e programas ou promover audiências em linha, mas sobretudo rever procedimentos e processos, de modo realizar uma verdadeira transformação digital da justiça, colocando-a ao serviço de todos.
  3. O combate à corrupção e ao tráfico de influências deve estar no centro das preocupações. Naturalmente, este objetivo não se prossegue com planos semânticos e desprovidos de métricas e de meios, mas com verdadeiro planeamento, afetação de recursos e coragem. Acresce que, num tempo em que o financiamento europeu – a famosa bazuca – está aí, é essencial que este contribua para mudar estruturalmente a nossa economia e a nossa sociedade, em lugar de ser capturado por interesses menos claros.
  4. A pandemia, com o seu cortejo de variantes, ondas e picos, não pode ser pretexto para colocar o direito entre parêntesis. É precisamente em tempos anómalos que as instituições mais têm de ser respeitadas. O atropelo a direitos fundamentais não pode ser tolerado. A restrição do exercício de certos direitos pode ser admitida, desde que adequada, necessária e proporcional para defesa de outros direitos constitucionalmente consagrados, e desde que definida pelos órgãos com competência legislativa para o efeito. O poder executivo e a administração e não podem atuar como legisladores em matéria de direitos fundamentais.
  5. O combate à desinformação e às fake news não pode servir para instituir novas formas de censura e o apoio aos meios de comunicação social não pode pressupor um condicionamento oculto da liberdade de expressão.
  6. É importante libertar a sociedade portuguesa de uma dependência patológica dos tentáculos do Estado, que fomenta redes clientelares, perpetua o poder dos incumbentes e inibe a autonomia do empreendedorismo e a inovação.
  7. É essencial instituir uma cultura de respeito pela dignidade de todos e de responsabilidade. Respeito pelos mais velhos, tantas vezes isolados do convívio familiar e social; pelos estrangeiros, frequentemente maltratados por organismos do Estado; pelos mais pobres, sem acesso a oportunidades ou a um elevador social. Aliada ao respeito deve estar uma cultura de responsabilidade, que não admita atitudes lesivas do bem comum, exigindo a prestação de contas a todos os que exercem o poder ou beneficiam de recursos públicos.