Calámo-nos quando Hitler subiu ao poder em 1933. Calámo-nos quando abriu o primeiro campo de concentração ainda em 1933. Calámo-nos quando as lojas e empresas dos judeus foram boicotadas ainda em 1933. Calámo-nos quando as tropas alemãs marcharam sobre a Renânia em 1936. Calámo-nos perante as demonstrações nazis nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Calámo-nos quando a Alemanha anexou a Áustria em 1938.
A propósito do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, assinalado anualmente a 27 de janeiro, relembremos a nossa inacção colectiva. Na voz e nas acções. Não pontualmente, mas sim durante anos. Foi há menos de 100 anos e o conflito a que deu origem terminou há menos de 80 anos. Começou aqui na Europa. Não foram um punhado de vilões os responsáveis.
Foram pessoas como nós. “Exércitos” de descontentes, descrentes de muitos políticos, vítimas de uma inflacção descontrolada e da desinformação que disseminou o populismo até à sua consagração democrática. Essa mesma democracia, logo destruída por um suposto bem maior, de alguém sempre acima do comum dos mortais, impoluto e salvador. Não sei se a questão se coloca por nos termos calado ou talvez, antes de mais, por não termos escutado.
Em Portugal, construímos desde o 25 de Abril de 1974 um caminho de democratização do país. Por valores como o da liberdade. Liberdade de associação, de expressão, de imprensa, de voto… Para muitos, uma democracia pelos valores da solidariedade. A democracia trouxe a Portugal muito maior e melhor desenvolvimento também. Trouxe mais ciência, mais educação e mais saúde.
Em 1970, um em cada quatro portugueses não sabia ler nem escrever. Em 2021 eram 3,1%, ou seja, mais de 8 vezes menos. A mortalidade infantil, por exemplo, era 44,8 por cada mil habitantes e em 2021 era de 2,4. A esperança média de vida era mais ou menos 67 anos em 1973, passando para cerca de 81 anos em 2020. Não é coisa pouca. Todavia, vivemos hoje no dealbar de um acontecimento disruptivo, a pandemia, com o crescimento de desigualdades, problemas de saúde mental e sofrimento psicológico, baixa literacia, crescimento da penetração das redes sociais digitais nas nossas vidas, aumento do isolamento social e solidão e maior disseminação de desinformação.
A percepção de injustiça e de qualidade das instituições dá sinais preocupantes um pouco por todo o mundo, não apenas em Portugal. O caminho feito até aqui exige mais participação e envolvimento, mais debate, mais reflexão, mas também mais acção. Exige mais escrutínio, mas mais decisões informadas e menos precipitadas e no calor do momento, geralmente visíveis em vertigens legislativas por vezes muito complexas e pouco efectivas.
E sobre isto… todos somos responsáveis. A democracia que teremos amanhã, que prova poder ser um regime melhor para a promoção da qualidade vida das populações, bem como e antes de mais, protectora dos valores da liberdade, igualdade e solidariedade, tem de ser cultivada por todos nós, pela nossa voz e pelas nossas acções. Não nos calemos. Não só no protesto, mas também na construção de soluções. E antes de falarmos não nos esqueçamos de algo essencial… escutemos.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.