“Os salários estão a subir ao ritmo mais rápido em muitos anos. Este é um mercado de trabalho, muito, muito forte”, declarou Jerome Powell, após a reunião da Reserva Federal (Fed) de quarta-feira passada.

A afirmação do presidente da Fed ilustra bem o que já está a acontecer nos EUA e em muitos outros países. Durante o ano passado, os bancos centrais insistiram na noção de transitoriedade da inflação (também para ancorar as expectativas), mas sempre foram avisando que uma vez que se chegasse aos salários, o fenómeno iria tornar-se mais persistente.

Nos EUA, a taxa de desemprego está já muito perto dos valores pré-pandémicos, mas a taxa de participação encontra-se dois pontos percentuais abaixo do que se registava no início de 2020.

A pandemia originou o chamado “Big Quit”, com saídas voluntárias da força de trabalho, seja por receio do vírus, necessidade de apoiar a família, subsídios estatais, ou mesmo pelos ganhos em bolsa e criptomoedas, entre outros. O facto é que há menos trabalhadores disponíveis e isso, a par da retoma, faz subir os salários.

Mesmo que seja algo conjuntural, insere-se numa macrotendência estrutural e global: pressão demográfica e menor participação no mercado de trabalho.

Na China, segundo estatísticas oficiais, em 2021 a taxa de natalidade (7,52 por mil) foi a mais baixa desde que há registos (1949) e cerca de metade da que era há apenas dez anos. Nasceram menos 1,4 milhões de pessoas do que 2020 e a pandemia não explica tudo. Alguns especialistas consideram que a população chinesa até já atingiu o seu pico e que em 2050, a população em idade ativa deverá cair 20% face aos níveis atuais.

É um problema global. Segundo o Banco Mundial, a taxa de fertilidade em 75 países está já abaixo dos 2,1 considerados como essenciais à renovação geracional. Em Portugal, a situação é particularmente grave e continua ausente da agenda política nacional.

Discute-se se esta dinâmica será deflacionista (como no Japão) ou inflacionista (como está agora a suceder), mas parece evidente que irá acelerar a automação da economia mundial, mais por necessidade do que por rentabilidade.