Lisboa, como habitualmente, ditará o nosso futuro. Desta vez, não será através de um qualquer gabinete pouco escrutinado pelos portugueses, mas pelo voto popular dos alfacinhas. Sim, ao votar para a presidência da Câmara de Lisboa, os lisboetas estarão a decidir como serão as próximas eleições legislativas, logo, quem será o próximo primeiro-ministro.

Ao aparecer com Carlos Moedas para a câmara da capital, Rui Rio, mais do que jogar o melhor trunfo do PSD, abriu a porta à sua sucessão. O PSD só tem dois candidatos a primeiro-ministro, e nenhum dos dois se chama Rio. Pedro Passos Coelho é o grande desejado, Carlos Moedas é a grande novidade.

Enquanto Passos Coelho tem a prerrogativa de poder regressar a qualquer momento com um estalar de dedos, Moedas teria de fazer um percurso que desse coerência e preparasse o destino; foi isso que Rio lhe ofereceu. Deixar um cargo de sonho na Gulbenkian, culminar de um percurso internacional notável, para ir à luta na disputa pela câmara da capital, demonstra coragem, desapego e uma fortíssima determinação política; um contraste inclemente com quem nunca se decide a trocar o conforto de Bruxelas pelo risco da aceitação popular. Sem querer, Rui Rio mostrou que o PSD tem muitíssimo melhor para dar ao país do que o seu presidente.

O rol de novos candidatos que Rio tem dado a conhecer nos últimos dias, confirma exactamente esta percepção. Moedas não é o candidato padrão do PSD, é uma absoluta excepção num quadro que, ainda que se possa sagrar vencedor autárquico na contabilidade final, não impressiona, nem se eleva de uma mediania muito pouco inspiradora. O caso do Porto é o sublinhado da falta de brilho deste regimento, o modo como Rio apresentou o seu candidato Feliz, usando um “colaborador fiel” e dedicando o discurso a Rangel, exaltando no seu homem de mão a negação de todos os defeitos de carácter que encontra em Rangel, diz tudo sobre este estado de coisas.

Pelo lado do PS, sabe-se bem do desconforto de Costa com a selvajaria política de Pedro Nuno Santos e com a captura de parte significativa do aparelho socialista pelas suas hostes. Parece não ser suficiente a avalanche de incongruências, a manifesta falta de capacidade, o desprezo pela seriedade e o caos que caracterizam a experiência governativa de Pedro Nuno Santos. Será necessário que Fernando Medina se mostre à altura da sucessão de Costa com um grande resultado em Lisboa, para depois poder resgatar o partido das garras extremistas de Pedro Nuno Santos.

Medina, não sendo um carismático, só se poderá afirmar com resultados expressivos, prometendo ao PS essa mesma eficácia eleitoral noutras eleições, provando que a moderação pode ser mais eficaz do que o radicalismo, a contenção melhor do que a atoarda. Terá sobre Pedro Nuno a legitimidade das urnas, sobre as manobras de gabinete.

Curiosamente, o confronto entre Medina e Moedas poderá ser de ganho mútuo, umas verdadeiras primárias que não precisam necessariamente de fixar o resultado das legislativas, apenas os candidatos. Na câmara, para Medina, só a vitória serve. Já para Moedas, o melhor resultado será uma ultrapassagem visível do último score do PSD e do CDS, feita derrota tangencial; uma superação notória na capital do estado comatoso em que o PSD de Rio se arrasta. A posição desnorteada e incompreensível da Iniciativa Liberal nesta dinâmica, fere de morte a agremiação de Cotrim Figueiredo, mas serve involuntariamente este quadro maior em formação.

O impacto maior da pandemia ainda aí vem. Olhando para o Reino Unido, para a Alemanha, para a França, podemos fazer uma ideia do que ainda nos espera, apesar de toda a esperança que a vacinação encerra. Portugal não tem capacidade para aguentar o tempo que ainda é preciso neste regime de enorme esforço. Os próximos governos é que terão de gerir as grandes ondas de choque pós-pandémicas. Não é tarefa para pistoleiros irresponsáveis ou merceeiros de província, vai exigir os melhores e mais bem preparados para a missão.

Em Lisboa decidir-se-á se as próximas legislativas serão entre Pedro Nuno Santos e Rui Rio, ou entre Fernando Medina e Carlos Moedas. Não é indiferente uma dupla ou outra. Não é de excluir que a primeira hipótese crie em Passos Coelho um impulso patriótico, única via de salvação nesse quadro. Ainda assim, poucos duvidam que Medina e Moedas protagonizariam um regresso a uma normalidade há muito perdida e por demais necessária.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.