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Paulo de Morais: “A questão principal no caso Rui Pinto é por que é que a Justiça não fez o que ele fez”

O professor universitário e autor do “Pequeno Livro Negro da Corrupção” vai ser uma das testemunhas ouvidas no julgamento de Rui Pinto, criador do Football Leaks. Em entrevista ao Jornal Económico, Paulo de Morais defende que, cabe à Justiça, avaliar as motivações de Rui Pinto, mas que tendo em conta a informação que revelou deve ser visto como um “herói” e receber proteção para denunciantes.
12 Setembro 2020, 20h32

Rui Pinto responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, por 14 de violação de correspondência e por seis de acesso ilegítimo, e ainda por sabotagem informática e extorsão, na forma tentada. Rui Pinto deve ser reconhecido como denunciante ou criminoso?

Um denunciante, claramente. Não conheço a acusação nos seus detalhes, mas a questão principal no caso de Rui Pinto, do meu ponto de vista, não é tanto o que é que ele fez e a que tipo de informação teve acesso. A questão principal é porque é que a Justiça não fez o que ele fez. Quem está aqui a ser julgado não é o Rui Pinto mas o sistema de Justiça e de investigação que não conseguiu fazer aquilo que um rapaz sozinho conseguiu fazer.

A Justiça portuguesa poderia ter conseguido aquelas informações que levaram ao Futebol Leaks e ao Luanda Leaks antes de Rui Pinto?

Toda a investigação que Rui Pinto fez deveria ter sido feita pelas entidades que fazem investigação criminal, nomeadamente a PJ. Temos Governo, Parlamento, PGR, tanta gente, e não conseguem fazer uma investigação que uma pessoa sozinha fez. Porque é que a Justiça, não fez pelas vias legais aquilo que o Rui Pinto fez – o tribunal dirá agora se legal ou ilegalmente. Por que razão é que não tem a Justiça portuguesa um técnico de informática com as capacidades do Rui Pinto para ter acesso por vias legais, com mandato, cumprindo todos os formalismos, acesso a esse tipo de informação? Quando o Rui Pinto tem acesso a um conjunto de informações, que dão origem ao Luanda Leaks ou Futebol Leaks, que são obtidas em sociedades de advogados, isso mostra que esses advogados não andavam a fazer de advogados mas de cúmplices dos seus ditos clientes.

Concorda, portanto, com a ideia de que Rui Pinto é um herói?

Independentemente, de Rui Pinto vir a ser condenado em julgamento, ajudou a um conhecimento grande de crimes e hoje a opinião pública tem notícia e que, além disso, já deu origem ao pagamento de impostos em Espanha por parte do agente de Cristiano Ronaldo. Nesse sentido, Rui Pinto já é um herói, porque conseguiu a Justiça funcionar onde as entidades que o deveria ter feito não fizeram. Se houver acidente de automóveis e um condutor tiver a culpa e o outro tiver droga, o que tem droga na mala não deixa de ter culpa porque tem droga na mala. Mesmo que a culpa do “acidente” tenha sido do Rui Pinto, isto ajudou a descobrir droga na mala de outro senhor, ele passa a ser um herói por isso. Nomeadamente se tivermos a falar de grandes crimes, como o Futebol Leaks e o Luanda Leaks.

Mas a maneira como chegou a essa informação poderá ter sido ilegal.

Cabe ao tribunal decidir, se é um herói, para mim é definitivamente. Cumpre ao tribunal perceber qual era a sua motivação, mas se passar à porta de uma casa e ouvir um homem a bater numa mulher não posso simplesmente dizer ‘vou chamar a polícia’. Se não houver tempo para chamar a polícia, entro e vou intervir em algo que não me diz respeito. O arrombamento da porta é ilegal, obviamente, mas devo ou não devo fazê-lo.

Em Portugal, ainda não há uma verdadeira proteção dos denunciantes. Considera que com a transposição da diretiva europeia de proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, essa lacuna será preenchida?

Sim. Se a transposição dessa diretiva for feita de forma adequada – o que tem de acontecer até dezembro – ficamos com um bom instrumento legal. Mas sem vontade das autoridades nada acontece. Não chega ter boas leis. É preciso ter boa legislação e depois se bem aplicada. No sentido em que o denunciante tem um conceito muito alargado de denunciante, mesmo restritivo. Se isso se aplicará ao Rui Rio, cabe ao tribunal decidir.

O advogado de Rui Pinto veio alertar para a existência de “interesses” contrários ao combate à corrupção em Portugal. Que interesses são estes?

Uma das formas de conseguir encontrar a corrupção, detetá-la e prová-la é seguir o dinheiro. Claramente Rui Pinto tem um papel importante no sentido em que identificou os circuitos de dinheiro. Rui Pinto, como consegue seguir o rasto do dinheiro, consegue identificar quem são os beneficiários dos crimes financeiros.

Foi noticiado que a PJ estaria a planear recrutar Rui Pinto. Concorda com isso?

Acho muito bem. Independentemente do resultado do julgamento, Rui Pinto ainda que, por absurdo, fosse condenado, deveria colaborar com a justiça. Devem ser aproveitadas as competência de Rui Pinto independentemente do resultado do seu julgamento.

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