Vivem-se tempos conturbados em Portugal, com o país em gestão corrente a caminhar para cerca de meio ano de crise política, após o chumbo parlamentar do Orçamento do Estado para 2022. Foi em outubro passado que o Partido Socialista rasgou em definitivo com os partidos à sua esquerda e, passado este tempo (lembram-se do conceito das eleições rápidas…?), o país está ainda em suspenso por causa do voto dos emigrantes. Novo Governo, só haverá em abril.

A contestação social tem subido de tom e são vários os dossiês complicados que esperam António Costa após a sua tomada de posse, com os professores, profissionais de saúde nos hospitais, transportes, prisões, tribunais, polícias, bombeiros, etc.

Depois de alguma paz social consentida e vivida nos primeiros quatro anos de geringonça, e após os últimos dois relativamente tranquilos, a agitação promete tomar conta das ruas do país, à imagem de quando Portugal viveu tempos de intervenção externa.

Apesar dos ventos de feição à esquerda dos últimos seis anos, foram oito as greves gerais da função pública desde que António Costa tomou posse como primeiro-ministro, sendo o motivo principal (28,7%) dos protestos os aumentos e a precariedade nos salários da administração pública. O mote foi dado há dias por Jerónimo de Sousa, Secretário Geral do PCP, ferido pelo “desvio” de votos para o centro (leia-se PS) nas eleições, que fez minguar a representação do BE (19) e do Partido Comunista (12) de 31 parlamentares para apenas 11.

Com a perda de 20 assentos no Parlamento da esquerda mais radical, o secretário-geral do PCP deixou claro, na apresentação das conclusões eleitorais da reunião do Comité Central, que a maioria absoluta do PS não irá “silenciar” a luta dos trabalhadores e do povo, e que a “situação do país exige luta de massas”. Na verdade, não tendo o peso parlamentar que tinha, esta “ameaça” representa a potencial mobilização dos Comunistas com ações de rua e manifestações, que coincidirá com o fim das contingências que tínhamos durante a pandemia.

Basta analisar os dados dos pré-avisos de greve (superiores a 1.000 em cada ano dos três últimos, do primeiro governo do PS em 2015), sendo que na análise longa do período de 2012 a 2019, o ano com menor número de pré-avisos na série disponibilizada pela DGERT foi o de 2016, ou seja, o primeiro ano completo de governação de António Costa (o benefício da dúvida no início da geringonça), quando aqueles somaram apenas 488. Em 2018, por exemplo, em média, 253 trabalhadores fizeram greve em cada um dos dias da paralisação. Perderam-se cerca de 51 mil dias de trabalho com as greves de um único ano.

Este clima de crispação que se advinha à esquerda é um desafio que o novo Governo terá de superar se quiser manter a paz social. E o desafio é ainda maior se pensarmos que a maioria destas greves e lutas de rua prometidas pelo PCP, e pela sua Central Sindical, são de funcionários públicos, que não correm o risco de perder o emprego e cujas ações de luta podem vir a afetar a vida dos cidadãos em geral.

O clima tenso entre o Governo e o mundo sindical, e a falta de diálogo entre ambos, foi uma das caraterísticas dos governos de António Costa, que preferiu o diálogo partidário com a geringonça do que as negociações pela via da concertação social, opção nada saudável para a paz social que o país precisava.

Os cidadãos nada têm a ver com estes posicionamentos de esquerda. Têm apenas a legítima expectativa de ver melhoradas as suas condições de vida e de trabalho, sobretudo porque acreditaram nas muitas – em alguns casos manifestamente exageradas – promessas da esquerda, que simplesmente não foram cumpridas.

Os portugueses precisam de paz social e não de guerras de poder, como aquelas que nos levaram à crise política. Precisam e, já agora, merecem.