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Pedro Santana Lopes: “O Aliança é como o Cidadãos em Espanha”

Ex-primeiro-ministro e ex-líder do PSD garante que o seu novo projeto político irá continuar mesmo que não eleja qualquer deputado nas legislativas deste domingo. Sem ser liberal, promete reduções de impostos e estar atento ao “Estado insensível”.
  • Cristina Bernardo
4 Outubro 2019, 16h05

Vê o Aliança com o antigo espírito da Aliança Democrática de 1980?

Tento ver e tentarei que assim seja. O Aliança é um projeto de fundo. É um partido generalista e hoje é mais fácil fazer partidos para certos segmentos. Veja o caso dos partidos focados só numa causa, normalmente conseguem 3% ou 8%, basta serem a favor ou contra o aborto, pró-terra, pró-mar, ou mesmo pelos animais, a favor ou contra o eucalipto, há sempre 2% ou 4% de votos. Sendo o Aliança um partido generalista, é muito mais difícil crescer, ainda mais quando não há acesso à comunicação social. E foi isso que se passou connosco. Agora temos mais acesso à comunicação social porque até obrigatório por lei. Ainda assim, eu estou em campanha, percorro o País, ao contrário de outros líderes, desde 1 de julho, três meses seguidos a fazer quilómetros e quilómetros…

Mas isso não se nota na televisão.

Pois, o problema é esse. Muitas vezes, a andar de um lado ao outro, durante todos os dias, durante três meses, Bragança, Lisboa, onde for, e as pessoas dizem-me que o Aliança não aparece. Quantas vezes ouvi isso. Há aqui qualquer coisa que não faz sentido.

Segundo as sondagens, entre os pequenos partidos tudo se vai decidir taco a taco.

Hoje [2 de outubro], as sondagens da RTP davam a hipótese de o Iniciativa Liberal e o Livre elegerem um deputado e a Aliança não.

Isto das sondagens… se fizer as contas… aliás, o Aliança está à frente dos outros. Não percebo aquelas contas. O que sei é que tudo se vai decidir à última da hora por quem for votar.

Espera ser eleito?

Sim espero. Espero domingo à noite, se Deus quiser, ser eleito e terem de contar comigo na Assembleia da República, para ser porta-voz das causas que considero justas. Nas eleições europeias, em Lisboa conseguimos 2,9% dos votos. Com isso elegemos quase dois deputados. Mais um bocadinho e elegemos mesmo dois deputados. Gostava de ter um grupo parlamentar, seja por Lisboa ou pelo Porto, com pelo menos dois deputados.

E se não eleger nenhum deputado continua com o projeto Aliança?

Claro, vai continuar. O Aliança é como o Cidadãos em Espanha. Acho que na primeira eleição tiveram 0,6%, depois foram passo a passo, sempre crescendo. O Cidadãos demorou uns cinco anos para ser um partido médio. Espero demorar menos tempo. Até o português Bloco de Esquerda, também generalista, levou cinco anos; começou nos 1% e resultava da combinação de três partidos. O Aliança é um projeto de fundo, não é um fogo fátuo, portanto no domingo estou convencido de que vamos eleger deputados, mas seja qual for o resultado é para continuar.

Não acha mais difícil um novo partido generalista vingar em Portugal do que em Espanha? Lembro-me por exemplo do PRD.

É verdade, há um conservadorismo maior em Portugal, se quiser, e por outro lado acho que há menos acesso à comunicação social por parte dos novos partidos. Há muitas regras estabelecidas que levam a que apenas apareçam os partidos com assento parlamentar. Há pouca abertura à novidade. O Aliança nasceu como um partido generalista que defende a democracia, quando hoje em dia os partidos que querem romper, destruir a liberdade e a democracia, uma nova ordem, têm mais espaço nas televisões. Mas eu estou convencido que a credibilidade compensa, a consistência compensa, a solidez compensa.

Está já a pensar numa luta a longo prazo?

Sim, claro. Tenho a certeza que assumir o sentido de responsabilidade compensa.

Como vê as contas que o ministro das Finanças, Mário Centeno, tem apresentado? Acredita no défice perto do zero?

Não. Como sabemos, esse défice reduzido é conseguido à conta de muitas cativações e da ineficiência de muitos serviços públicos, o que considero muito lamentável para a vida dos portugueses. As cativações foram usadas por todos os governos nos últimos 20 anos, a questão é que este Governo levou isso ao extremo. E fazer cativações prejudicando, como foi prejudicado, o Serviço Nacional de Saúde, acho inacreditável. Ou conseguir esses saldos pagando reformas com mais de um ano de atraso desde a data em que são pedidas… assim é evidente que se consegue poupar umas centenas de milhões de euros, mas assim todos atingimos saldo zero ou um superavit, não pagando as contas com certeza que se consegue.

Acha que há muitas dívidas do Estado às empresas que não estejam incluídas nas contas?

Não sei. Mas no setor da saúde tem havido.

Quanto à ADSE, deve ser só para os funcionários públicos?

A ADSE deve ser para os funcionários públicos, que estão nos quadros, e para quem trabalha na função pública com contrato individual de trabalho. E só aí são mais 80 mil pessoas. Alargar a ADSE a toda a população portuguesa é muito complicado porque esse sistema tem o mesmo problema da Segurança Social, a população está envelhecida, os dois sistemas têm mais despesa do que receita.

Mas acha que o sistema da ADSE é sustentável a longo prazo ou o OE tem de voltar a colocar dinheiro no sistema?

Neste momento tem estado equilibrado, mas a previsão é que se desequilibre por causa da pressão demográfica. Nesta área, o Aliança defende um seguro de saúde privado para todos os portugueses. Os que podem pagar esse seguro privado, pagam. Depois descontam esse valor na sua declaração fiscal. Para os que não podem, o Estado tem de providenciar. Tem é de assegurar o seguro de saúde. Portanto, deve ser o Estado a fazer um acordo com as seguradoras. Na generalidade dos países europeus não se pode viver sem ter um seguro de saúde. E em Portugal o que acontece é que os remediados ou que têm dinheiro, quando o SNS não dá resposta, vão ao privado. Mas a maioria da população portuguesa não tem dinheiro e o SNS marca-lhe a consulta, o exame ou a cirurgia para daqui a seis meses, ou um ano, ou mesmo três anos, e vão para casa à espera porque não conseguem ir ao privado. Isto precisa de uma grande volta. O que me faz mais impressão e que o Estado seja tão insensível. Acho que temos um Estado abusador e insensível ao mesmo tempo. Abusador, por exemplo, quando cobra IVA antes da empresa ou do particular receber aquilo a que tem direito. Abusador quando fica a dever aos cidadãos e não paga juros, mas cobra juros quando o cidadão lhe deve. Acho que o Estado deveria pagar aos pensionistas, quando se demora um ano desde que é pedida a pensão de reforma até que se começa a receber, com juros, juros de mora de 4,825%.

E onde está o Estado insensível?

O Estado insensível é aquele que sabe que as pessoas estão nesta situação em muitos distritos do País, sem resposta do SNS, mas o que interessa é irem à televisão dizer temos défice zero. E ao mesmo tempo estão uma série de pessoas sem consulta e cirurgia. É uma insensibilidade que me choca. É por isso que se o Aliança tem alguma causa é a da saúde. Alguns têm a dos animais, do planeta, etc., mas o mais importante na vida das pessoas é a saúde. O ambiente é essencial evidentemente, mas para nós a solução do financiamento do sistema de saúde é muito importante. É certo que o SNS tem de ter regras de gestão, como tudo na vida. Mas os gestores hospitalares apresentam o seu plano de gestão mas sabem que se faltar o dinheiro o Estado lhes dá sempre o dinheiro necessário. Não pode ser, o SNS também tem de ser pago, pelos seguros de saúde privados de cada um e depois, como há limites nos seguros para doenças mais complicadas, deve ser o Estado a assumir essa restante despesa.

E o que pensa do atual sistema de financiamento da Segurança Social? Deve continuar a ser puramente público?

Não. Não somos os únicos, mas defendemos a liberdade de escolha também na Segurança Social. Tal como nos países escandinavos ou do Benelux, as pessoas devem poder descontar uma parte para o público e outra para sistemas privados. E o que descontam para o privado abate-se nos descontos que tinha de fazer para o público, acho que o caminho a fazer deve ser esse. A melhor maneira de contribuir para a sustentabilidade da Segurança Social é acentuarmos o vector da capitalização, mais do que o redistributivo. A única maneira de isto entrar nos eixos é saber o custo e o benefício de tudo o que e prestado ou adquirido. As pessoas deviam poder saber quanto já pagou e quanto vai ter direito na altura da reforma.

Quanto a impostos, o que propõe o Aliança?

Defendemos a isenção de IMT para jovens até 30 anos, ou casais com uma média de idade de 35 anos. No IRS ninguém poder pagar mais do que metade do que recebe como renumeração, um máximo até 49%. E no IRC devemos baixar as taxas para níveis competitivos com países que são atrativos fiscalmente, como a Holanda e a Irlanda. Para já, numa primeira fase, baixávamos a taxa de IRC para os 17%, valor em que estava quando acabou o governo de Passos Coelho. Mas depois caminharíamos desejavelmente para níveis como os da Irlanda, com taxas à volta dos 12%, porque nós precisamos de investimento estrangeiro como de pão para a boca. E para haver esse investimento temos de ser um País fiscalmente atrativo.

Há funcionários públicos a mais?

Não. Temos é de caminhar cada vez mais para um sistema em que haja maior mobilidade e uma qualificação cada vez maior. Haver a mais ou a menos depende dos setores em que o Estado está presente e nós aí não somos liberais puros, não defendemos a saída do Estado de tudo. Nas áreas sociais entendemos que o Estado tem de estar presente para apoiar principalmente os que menos têm. Achamos é que é preciso fazer uma revisão geral das carreiras da função pública, nos professores, agentes de segurança, enfermeiros.

E na área do mar?

O setor do mar está na nossa declaração de princípios. Para o Aliança, o mar tem de ser um dos principais factores de desenvolvimento económico em Portugal. E não é. Já tivemos uma Expo dos oceanos, temos comissões dos oceanos, e na prática o Pais continua de costas viradas para o mar. Até nas pescas, em que aceitámos durante anos o abate da frota pesqueira.

E na agricultura?

No mundo agrícola defendemos o aumento da superfície de regadio. É essencial para o País. O Alqueva, de facto, foi um grande fator de desenvolvimento da nossa agricultura, tem permitido produções intensivas de várias culturas que às vezes são contestadas por razões ambientais, mas o Aliança não subscreve essas críticas. Acho que o que se tem passado em certos domínios da agricultura portuguesa é positivo, mas muito dependente dessa variável que é o regadio. Uma economia desenvolvida de modo sustentável sem um sector primário forte é muitíssimo difícil.

O Aliança tem também no seu programa um alerta para as alterações climáticas e o efeito de estufa. Também concorda que se deva abater uma série de vacas para diminuir as emissões?

Não. Acho essas declarações de uma enorme irresponsabilidade para com a agricultura e os agricultores portugueses. Afirmações que aliás já tiveram reflexos nos valores de mercado dos bovinos. É de uma enorme irresponsabilidade. Deve haver formação preventiva, saúde preventiva, o que cada um deve comer, o que é mais saudável, incitar às boas práticas, mas defendemos a liberdade de escolha. A aliança, em geral, é contra os proibicionismos.

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