Há alguns dias atrás foi conhecida a intenção do Governo de propor à Assembleia da República a suspensão temporária da caducidade da contratação colectiva. Trata-se de uma medida no sentido certo, mas que infelizmente peca por defeito. É preciso ir mais longe e acabar com a caducidade das convenções colectivas, protegendo assim, de forma robusta, os direitos laborais e sociais dos trabalhadores em Portugal.

À primeira vista, o tema poderá não parecer muito relevante para o leitor. Na verdade, é da própria saúde e da qualidade da nossa democracia que estamos a falar. Isto porque qualquer democracia consolidada assenta na existência de uma classe média sólida. Sem aforro, elevados níveis de escolaridade, acesso universal a cuidados de saúde, e a defesa dos direitos dos trabalhadores, a classe média definha e com ela o próprio regime democrático.

De forma muito abreviada, é também por isto, ainda que não apenas por isto, que a sindicalização tem sido vital para uma mais equilibrada repartição do rendimento, entre capital e trabalho, e para a melhoria das condições de trabalho e aposentação, para os trabalhadores por conta de outrem.

Ora, o actual Código de Trabalho tem uma disposição particularmente gravosa sobre a temática da denúncia e caducidade das convenções colectivas, e urge repelir como medida da mais elementar justiça social, no país que sujeito a ela é o mais desigual da União Europeia.

Tal como está, a norma empobrece trabalhadores, os portugueses e outros residentes em Portugal, e enriquece accionistas, em grande parte capital estrangeiro.

Estranho e desigual país este que desprotege seus cidadãos e a saúde do seu próprio regime democrático.

Sejamos muito claros. As relações laborais devem alicerçar-se no respeito institucional das diferenças entre as partes, na negociação, na tentativa de melhorar condições de trabalho e de exploração das empresas, num equilíbrio de longo prazo que induz ganhos superiores a trabalho e capital.

Infelizmente, como tem sido evidente, a moderação e a capacidade de compreender o outro, em vez de se tentar impor soluções à força, têm sido olimpicamente ignoradas pelos mais radicais. Radicais estes que são minoritários no mundo do trabalho, mas muito prevalecentes e vocais nas esferas do poder económico.

Regresso ao início. Esteve bem, por isso, o Governo ao propor a suspensão da caducidade das convenções colectivas. Para desgosto, decerto, dos radicais do poder económico. Mas esta suspensão deve ser definitiva, e não apenas por 24 meses como parece prever a proposta. É uma exigência de civilidade e de salvaguarda da própria democracia. Haja coragem. Terão o apoio de todos os trabalhadores e da maioria silenciosa da opinião pública!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.