Como já escrevi nestas páginas, o enunciado que o Presidente da República fez em plena campanha sobre a direita social, encerra uma convocatória tão pertinente, quanto urgente. Em estado de emergência, no meio da maior crise sanitária de que a nossa geração tem memória, sob a sombra do medo das previsíveis consequências, há duas vias possíveis: ou nos deixamos abater na ignorância que o medo sempre traz, ou pensamos o presente e o futuro de forma lúcida e exigente.

Pensar com exigência é das maiores formas de liberdade, uma de que o homem nunca se deveria demitir. A visão crítica, seguida da acção construtiva, ajudam ao pensamento comum civilizado. É o antigo apelo grego à participação do cidadão na edificação da polis. É, por isso, muito importante pensar no que queremos, como o queremos e no que, definitivamente, não queremos. É esse exercício que faço habitualmente, e que hoje aqui deixo, como mero exemplo sistemático.

Sei que o Estado Social que advogo não cai do céu, é pago com os impostos de todos. Sim, aquela parcela monstruosa retida na folha salarial, vai sustentar o Estado. No meu caso, não tendo aversão ao Estado, o que me preocupa é a má gestão do dinheiro que lhe confio, não o montante em si. O que me irrita, é tudo o que é gasto, e é imenso, em despesa não útil e completamente alheada do bem comum. O que mina o sistema é a opacidade, tornando-o cada vez mais vulnerável ao oportunismo de quem o quer abater.

Sendo defensor do Estado Social, tenho consciência que o seu maior inimigo é um Estado ineficiente, morbidamente obeso e clientelar, como o português. Só uma reforma profunda do Estado e um regime de total transparência fiscal, como praticado nas democracias mais evoluídas da Europa, pode manter o sistema a salvo das correntes ultra-liberais ou proto-autoritárias que o ameaçam.

Tenho defendido sem reservas o Rendimento Social de Inserção e entendo que se deverá criar, independentemente deste, um Rendimento Mínimo Garantido, ou rendimento básico de dignidade.

O primeiro deveria ser sempre transitório e acompanhado de projectos sólidos de ajuda no regresso à vida activa, com formação útil e realista, ajuda estruturada na reconstrução e procura de vias profissionais ajustadas e integração social activa. No segundo caso, da garantia de um rendimento, independentemente da capacidade produtiva do individuo, há uma ideia subjacente de desenvolvimento social, a de que os mínimos terão de ser sempre assegurados pelo todo, como forma de subida do nível geral e de patrocínio do equilíbrio.

Desde sempre, e para sempre, há uma franja da sociedade que não se enquadra na convenção, que não é capaz. A barbárie pondera e tenta executar o aniquilamento, a civilização não desiste de tentar a integração e a acomodação. Em ambos os casos, só com profunda transparência e assumida verdade se pode explicar e dar bom uso ao dinheiro de todos.

Aprendi, enquanto autarca no Porto, o importantíssimo papel da habitação social. Tenho a sorte de ver todo o trabalho permanente, que excede muitíssimo a entrega de uma chave fácil. O Porto tem a maior taxa de habitação social do país, apesar das atrofias recorrentes do governo central, e é um exemplo de como o dinheiro do contribuinte deve ser gasto, de como se multiplica em acção social sustentável. O país poderia aprender muito com este caso de sucesso.

Com choque para alguns, tenho defendido as salas de chuto. Vejo a toxicodependência como uma doença, e defendo a sua sanitarização muito para além da tradicional metadona. As salas de chuto podem ser um ponto de partida para um projecto de saúde mais vasto e eficaz.

Ao mesmo tempo, em coerência com esta defesa, não posso ser conivente com o laxismo irresponsável que permite o consumo no espaço público. Tenho, obviamente, que me insurgir com toda a indignação com as situações de consumo perto de escolas, nas portas dos prédios, nas rotas diárias das famílias… Claro que quero um Estado forte e inclemente no combate ao tráfico e o fim das zonas de soberania dos gangues. É urgente a solução humana e sanitária a par da inequívoca manutenção da lei e da ordem pública.

Quero um Estado, e uma sociedade, que saibam praticar o acolhimento do diferente. Que disponha de meios para ajudar na integração de quem nos procura, que promova a pedagogia social de combate ao preconceito, a maior de todas as ignorâncias. Mas quero, ao mesmo tempo, um Estado que deixe bem claras as suas regras, o valor do primado da lei e a segurança de uma justiça inequívoca. Não quero a irresponsabilidade do “porta aberta e depois logo se vê”. Não quero mais bairros da Jamaica, depósitos desumanos para os mais vulneráveis, onde, em muito boa hora, o Presidente foi levar um sinal de humanidade. Usem os meus impostos para acolher, integrar e crescer. Todos precisamos de todos.

Estes são apenas alguns exemplos, fora dos dogmas das formatações ideológicas em voga, mas em busca de um modelo social mais justo e sustentável. Sei que, se o povo o exigir, os políticos seguirão. Cabe a cada um de nós ter uma voz.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.