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Personalidades JE: Jorge Sampaio – O rival de Guterres

Jorge Sampaio, Presidente da República durante 10 anos, fica na história pelo trabalho em prol do maior relacionamento entre os PALOP e o Brasil, e pela forma como acompanhou a transição de Macau e o processo da independência de Timor-Leste. Mas também pela luta à liderança do PS, que teve como principal rival António Guterres.
  • Cristina Bernardo
29 Novembro 2020, 11h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

Jorge Fernando Branco de Sampaio (Lisboa, 1939) – militante do PS com o nº 102.279 (inscrito em 1978), sportinguista com o nº 39.157 (inscrito em 1973) e jornalista do Expresso, por pouco tempo (em 1973) –, foi Presidente da República de Portugal durante uma década, entre 9 de março de 1996 e 9 de março de 2006. Sampaio sempre teve uma vida muito preenchida, revelando muito cedo uma forte consciência humanista e política. Dentro do seu espaço partidário, fica para a história a sua rivalidade com António Guterres

A vida de Jorge Sampaio tem tanto de organizada, quanto de publicamente divulgada. Do trabalho de investigação e pesquisa realizado durante mais de cinco anos resultou a biografia autorizada de Jorge Sampaio, da autoria do jornalista José Pedro Castanheira. Sobretudo no seu segundo volume, ao longo das mais de 700 páginas do livro “Jorge Sampaio – Uma Biografia II – O Presidente”, são detalhados com rigor os 10 anos em que desempenhou a mais alta magistratura do país, enquanto Presidente da República. O primeiro volume desta obra foi dedicado ao longo período que medeia entre a infância e a candidatura de Sampaio à Câmara Municipal de Lisboa.

É igualmente um dos políticos portugueses mais homenageados. Mais recentemente, há 14 meses, em 18 de setembro de 2019, na sede do PS, no Largo do Rato, a estrutura dirigente socialista prestou uma homenagem a Jorge Sampaio, quando completou 80 anos. Ao contrário das vezes em que não evitou a emoção e lhe surgiram as lágrimas, na homenagem do PS às suas oito décadas de vida, Jorge Sampaio não cedeu à emotividade, reconhecendo num breve discurso que, no PS, “o espaço ideológico é vasto, a construção tem de ser permanente e o espírito está aberto para aquilo que deve ser a discussão viva, a discordância, mas que não é obviamente a conspiração”. Sobre a social-democracia dos partidos, Sampaio considerou na altura que ela “mede-se com programas, sugestões, propostas e por abrir aquelas entidades indispensáveis à construção da democracia, que são precisamente os partidos”.

Isto significa que longe vão as tensões políticas que marcaram o PS na década 90. E que ainda mais distantes ficaram as separações, as distâncias políticas, e até eventuais crispações entre Jorge Sampaio e António Guterres no processo de luta partidária pela liderança do PS – sendo obrigatório recordar que Jorge Sampaio será porventura um dos políticos portugueses mais bem educados, no sentido de que nunca (ou raramente) saiu do tom ou apareceu desalinhado, fazendo jus à sua educação britânica.

Haverá dirigentes socialistas que não esqueceram a decisão de não convocar eleições legislativas antecipadas em 2004, avançando para a tomada de posse de Santana Lopes como primeiro-ministro, o que criou outra conhecida fratura no PS com o então secretário-geral, Ferro Rodrigues, que na altura apresentou a sua demissão à liderança do partido. Talvez por isso, na homenagem a Jorge Sampaio, António Costa tenha descrito o antigo Presidente da República como um “homem intranquilo” e capaz de concretizar “ruturas”.

Comprovando que o tempo sarou tudo e que António Guterres é igualmente bem-educado, o secretário-geral das Nações Unidas enviou uma mensagem a Jorge Sampaio, reconhecendo “a ultra-merecida homenagem”. Entre os participantes na homenagem aos 80 anos de Sampaio estiveram Ferro Rodrigues, Vera Jardim, João Cravinho, Matos Fernandes, Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva e Francisca Van Dunem, entre outros.

Universo da família Bensaúde

Recuando à década de 40, marcada pela Segunda Guerra Mundial, pode dizer-se que Jorge Sampaio, pela sua ascendência, sintetiza as tradições da esquerda republicana e do universo judaico. Filho do médico Arnaldo Sampaio e de Fernanda Bensaúde Branco, pelo lado materno foi neto de Fernando Branco, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha na Ditadura Nacional (1928-1933), e da sua mulher Sara Bensliman Bensaúde, por seu turno, sobrinha-neta do industrial de tabacos José Bensaúde, de família judaica. Na infância viveu a experiência profissional do pai, nas viagens que teve de realizar entre os EUA e a Inglaterra – uma fase em que estudou música e teve como precetora a atriz Mariana Rey Monteiro –, além da formação britânica que lhe foi incutida no Queen Elizabeth Kindergarden and Junior School.

Em Lisboa, estudou nos liceus Pedro Nunes (depois de ter chumbado nos exames de acesso ao Colégio Militar) e Passos Manuel, seguindo para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde se licenciou em 1961. Iniciou a sua carreira como advogado envolvendo-se na defesa de presos políticos, associando-se a Júlio Castro Caldas na sociedade de advogados formada na década de 1970 por José Vera Jardim, Jorge Santos e José Macedo e Cunha, que mais recentemente passou a ser designada por Jardim, Sampaio, Magalhães e Silva & Associados, desempenhando igualmente funções diretivas na Ordem dos Advogados.

Entra na política ainda estudante

A sua carreira política foi iniciada enquanto estudante de Direito na Universidade de Lisboa, em contestação ao regime salazarista. Foi presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (na primeira eleição venceu por um voto), em 1959-1960 e em 1960-1961, e secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA), em 1961-1962.

Nessa qualidade foi um dos protagonistas da crise académica dos anos 60 — o movimento de contestação estudantil, que teve o seu auge na Universidade de Lisboa, em 1962, e na Universidade de Coimbra, em 1969. Jorge Sampaio criou, com João Cravinho e outros, o MAR – Movimento de Ação Revolucionário, de esquerda radical.

Também se aproximou dos católicos progressistas. Colaborou em “O Tempo e o Modo”, de António Alçada Baptista e João Bénard da Costa, e na “Seara Nova” que agrupou a esquerda republicana e candidatou-se à Assembleia Nacional, nas eleições legislativas de 1969, pelas listas da CDE. Após o 25 de Abril de 1974, fundou o Movimento de Esquerda Socialista (MES), mas abandonou este projeto no primeiro congresso do partido, por discordar da orientação ideológica seguida. Nas primeiras presidenciais de 1976, Jorge Sampaio votou em Otelo Saraiva de Carvalho mas só tornou pública essa escolha em 1995, na campanha presidencial, motivando uma enorme irritação a António Costa, que então foi o seu diretor de campanha.

Proximidade a Melo Antunes

Durante o processo revolucionário da década de 70, a sua proximidade a Ernesto Melo Antunes fez de Jorge Sampaio um agente de ligação entre as instituições democráticas e essa ala do MFA. Em março de 1975, com Melo Antunes em ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Sampaio foi nomeado secretário de Estado da Cooperação Externa do IV Governo Provisório, o penúltimo em que Vasco Gonçalves participou.

Tal como aconteceu com outros militantes do MES – os casos de Eduardo Ferro Rodrigues e de Augusto Mateus, por exemplo –, aderiu ao Partido Socialista em 1978. Integrando a bancada parlamentar socialista foi membro da Comissão Europeia para os Direitos Humanos e entre 1986 e 1987 presidiu ao Grupo Parlamentar do PS.

Em 1989 lidera a coligação entre o PS e o PCP à Câmara Municipal de Lisboa, derrotando o seu adversário Marcelo Rebelo de Sousa. Nas autárquicas seguintes, em 1993, alargou o projeto de coligação à UDP e ao PSR permitindo a reeleição de Jorge Sampaio com 56,66% dos votos e 11 vereadores no conjunto de 17. Também em 1989 sucedeu a Vítor Constâncio como secretário-geral do PS, perdendo essa liderança em 1992 para António Guterres.

Promove criação da COTEC

Em 1995 anunciou intenção de ser candidato à Presidência da República, demitindo-se para tal da presidência da Câmara de Lisboa. Ganhou as eleições contra Aníbal Cavaco Silva, sendo eleito presidente em 14 de janeiro de 1996. Foi reeleito em janeiro de 2001. A sua ação presidencial privilegiou aspetos sociais e culturais e na economia impulsionou a criação da COTEC Portugal.

Conviveu com quatro primeiros-ministros diferentes, António Guterres, José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e José Sócrates. A partir de 2001 Portugal entrou em crise financeira. Depois da derrota do PS nas eleições autárquicas, António Guterres apresenta a sua demissão do cargo de primeiro-ministro e Jorge Sampaio convoca eleições legislativas antecipadas, ganhas pelo PSD liderado por Durão Barroso, que abandona o Governo três anos mais tarde para presidir à Comissão Europeia.

Sampaio permitiu que a mesma maioria parlamentar formasse novo Governo e indigitou Pedro Santana Lopes primeiro-ministro do XVI Governo Constitucional. Como se referiu, esta decisão influenciou o pedido de demissão do líder do Partido Socialista, Eduardo Ferro Rodrigues. No final de 2004 dissolveu a Assembleia da República, retirou o poder ao PSD de Santana Lopes e ao seu parceiro de coligação, o CDS-PP de Paulo Portas, o que facilitou a chegada ao poder de José Sócrates, que tinha acabado de conquistar a liderança do PS contra João Soares e Manuel Alegre, tornando-se primeiro-ministro com maioria absoluta. Durante os seus dois mandatos presidenciais, Jorge Sampaio utilizou 75 vezes o veto político.

A promoção da língua portuguesa e o estreitamento do relacionamento entre os PALOP e o Brasil estiveram sempre presentes na sua ação enquanto Presidente da República, tal como o processo de transição de Macau e as sucessivas fases por que passou o processo da independência de Timor-Leste. A 24 julho de 2015 foi reconhecido internacionalmente pela ONU como “líder na luta pela restauração da democracia”, recebendo por isso o 1º Prémio Nelson Mandela. Em entrevista à Rádio ONU, Jorge Sampaio referiu que se sentia honrado por ser associado a Mandela que considera uma “figura incontornável do século XX e um exemplo extraordinário de tolerância”. O prémio Nelson Mandela reconhece a dedicação da vida ao serviço da humanidade, promovendo os princípios das Nações Unidas.

Com dois casamentos, o primeiro, com Karin Dias, durou quatro anos, até 1971, sem filhos. Do segundo casamento, com Maria José Rodrigues Ritta, celebrado em abril de 1974, teve dois filhos, Vera que nasceu em 1977 e André em 1980.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 25 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos, referentes ao período balizado entre 1995 e 2020, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Esta lista foi publicada a 4 de setembro de 2020, antes do primeiro fim de semana do nono mês do ano. Retomando a iniciativa a partir do último fim de semana de setembro, mas agora alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescenta agora os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar as personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Socrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º).

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