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Personalidades JE: Passos Coelho – Ao ‘leme’ durante a troika

Pedro Passos Coelho esteve ao leme do país durante a intervenção da troika que se seguiu à bancarrota do Estado, no fim do Governo PS de José Sócrates. Desde a carta secreta que Passos Coelho enviou a Sócrates até à data da “saída limpa”, foram três anos duros para Portugal.
15 Novembro 2020, 10h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

Numa das piores crises orçamentais vividas em Portugal, Passos Coelho passou à história como o político que esteve ao “leme” do país enquanto Portugal foi intervencionado pela troika, entre o fim do Governo PS de José Sócrates, que terminou com o país na bancarrota, e o início do Governo PS de António Costa. Pela cronologia oficial, Pedro Manuel Mamede Passos Coelho (Coimbra, 1964) foi primeiro-ministro de Portugal de 2011 a 2015, além de ter sido presidente do Partido Social Democrata (PSD) de 2010 a 2018. Estas datas são importantes, mas podem ser balizadas por outras datas ainda mais relevantes, designadamente, pelo período que mediou entre a quarta-feira, 6 de abril de 2011, e o domingo, 4 de maio de 2014.

Que se passou então em Portugal entre estas duas últimas datas? A resposta recua um pouco, porque a história começa em meados de janeiro de 2011. Mas antes de tudo, convém recordar que os primeiros quatro meses de 2011 funcionaram quase como uma descida aos infernos da bancarrota portuguesa.

O então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a 17 de janeiro tinha regressado a Portugal vindo de uma viagem de Estado à península arábica, na qual passou pelo Qatar e pelo Abu Dhabi, acompanhado pelo primeiro ministro José Sócrates que não se cansou de repetir que não tinha ido ao Qatar vender dívida. No entanto, entre os economistas e financeiros de referência, já era claramente admitida a situação catastrófica das finanças portuguesas.

O prémio Nobel da Economia, professor da Universidade de Princeton, Paul Krugman, reconheceu publicamente que a taxa de juro contratada no leilão de dívida pública portuguesa realizado nessa semana tinha sido “quase ruinosa”, desmentindo assim as afirmações de Teixeira dos Santos, quando disse que a referida colocação dos leilões de dívida tinha sido “claramente um sucesso”, porque “a procura triplicou o montante emitido”, quando Portugal tinha pago cerca de 6,72% por um empréstimo de 599 milhões de euros a dez anos.

Paul Krugman conhecia a economia portuguesa desde que integrou a equipa técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI) que acompanhou a situação de Portugal no final dos anos 70, e comentou no seu blog do “The New York Times” que o facto do Governo português achar que uma taxa de juro de 6,7% é um sucesso “diz alguma coisa sobre o total desespero da situação europeia”.

Passos envia carta confidencial a Sócrates

Este enquadramento da situação pública portuguesa resume a angústia vivida até ao início da noite de quarta-feira, 6 de abril de 2011, quando José Sócrates anunciou aos portugueses que Portugal iria avançar com um pedido de ajuda externo. Poucos dias antes, a 31 de março de 2011, Pedro Passos Coelho enviou uma carta confidencial a Sócrates – a que o jornal Público teve acesso –, dando conta que o PSD não deixaria de “apoiar o recurso aos mecanismos financeiros externos, nomeadamente em matéria de facilidades de crédito para apoio à balança de pagamentos”, se o Governo entendesse necessário tal recurso.

Esta carta confidencial foi considerada como o Ok do PSD à entrada da troika em Portugal. Nos primeiros dias de abril houve várias declarações públicas que consideraram que a vinda da troika seria o melhor rumo a seguir por Portugal. “Recebi hoje informação, da parte do senhor Governador do Banco de Portugal, de que o nosso sistema financeiro não se encontra, por si só, em condições de garantir o apoio necessário para que o Estado português assegure as suas responsabilidades externas em matéria de pagamentos durante os meses mais imediatos. Ainda esta manhã o senhor presidente da Associação Portuguesa de Bancos transmitiu-me idêntica informação. Estes factos não podem deixar de motivar a minha profunda preocupação”, referia Pedro Passos Coelho no início da carta enviada a José Sócrates.

Apoio do PSD para “evitar o precipício”

No mês seguinte, a 20 de maio de 2011, a equipa executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI) estabeleceu um acordo de três anos com Portugal. Passos Coelho explicou posteriormente que nessa carta apenas transmitiu a José Sócrates que “se precisasse do apoio da oposição para evitar o precipício”, contaria com o PSD.

Recuando quase um ano, até ao momento em que Pedro Passos Coelho foi eleito presidente do PSD – em 26 de março de 2010 –, apesar de liderar o maior partido da oposição, viabilizou no parlamento o segundo de três Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) apresentados pelo PS. Refira-se que o PEC I foi viabilizado pelo PSD antes de Passos Coelho ser eleito e o PEC III também passou com a abstenção do PSD e votos contra da oposição.

Chegou depois o momento da recusa de apoio a um quarto PEC, em sintonia com a oposição parlamentar, sendo já conhecida a necessidade de Portugal recorrer à ajuda externa (da troika composta pelo FMI, pelo BCE e pela Comissão Europeia) atendendo à incapacidade de travar o défice das contas públicas portuguesas.

Esta situação levou o primeiro-ministro José Sócrates a demitir-se, obrigando o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, a convocar as eleições antecipadas para 5 de junho de 2011. Assim, Pedro Passos Coelho foi primeiro-ministro de Portugal, liderando um Governo de coligação PPD/PSD-CDS-PP, que tomou posse a 21 de junho de 2011.

No discurso de tomada de posse de Passos Coelho foram elencadas as tarefas prioritárias do Governo: equilibrar as finanças, socorrer os mais necessitados e promover o crescimento da economia e do emprego, sob a promessa de que ″ninguém pode ser deixado para trás. Não queremos uma sociedade que abandona os seus pobres, que ignora as pessoas com deficiência, que não socorre os seus aflitos, que desampara os seus idosos, e que se fecha aos seus desempregados″. A monitorização da economia portuguesa pela troika foi difícil, com custos sociais elevados, com o disparo do desemprego, sobretudo do desemprego jovem, a queda do PIB e o forte ajuste do consumo interno.

A “saída limpa”

A data seguinte inicialmente referida foi o domingo, 4 de maio de 2014, altura em que Pedro Passos Coelho anunciou que Portugal estava em condições de avançar para uma “saída limpa”, libertando-se do acompanhamento tutelar da troika. Até maio de 2014 muitas críticas foram feitas ao Governo de Pedro Passos Coelho, sendo uma delas a dúvida sobre se terá havido excesso de zelo do executivo português; sobre a dúvida de saber se teria sido necessária tanta austeridade; de saber se os portugueses teriam conseguido reequilibrar as finanças públicas sem terem sofrido tantos cortes. Em julho de 2011, Pedro Passos Coelho já tinha respondido parcialmente a essas dúvidas, admitindo, então, que “o Governo foi além das medidas incluídas no acordo com a troika”, porque – salientou – isso seria “essencial para o regresso de Portugal mais cedo aos mercados internacionais”.

Num improviso, em Coimbra, perante quase 600 autarcas, na sessão de encerramento do congresso da Associação Nacional de Municípios (ANMP), Passos Coelho considerou que “todo o país entende como vital o bom desempenho orçamental, sob pena de não termos novamente condições de crescimento na sociedade portuguesa”, porque – adiantou –, “se queremos ter condições de financiamento para a nossa economia regressar aos mercados mais cedo, teremos de ser absolutamente cumpridores do que foi estabelecido no memorando de entendimento”.

Passos Coelho foi novamente empossado como primeiro-ministro do XX Governo Constitucional a 30 de outubro de 2015, pela vitória da coligação Portugal à Frente (PàF) nas eleições legislativas de 2015. Mas a 10 de novembro de 2015, uma moção de rejeição ao programa do Governo foi aprovada com os votos do PS, BE, PCP, PEV e PAN, que deu início ao acordo parlamentar tácito popularmente referido como “geringonça”, obrigando à queda do Governo.

Infância em Angola

Nasceu em Coimbra, sendo o mais novo de quatro irmãos e irmãs. Passou a infância em Angola, onde o pai exercia medicina nas cidades de Silva Porto e Luanda. Regressou a Portugal depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 e foi viver para Vale de Nogueiras, concelho de Vila Real, terra da sua família paterna. Estudou na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, no mesmo concelho. Ingressou na licenciatura de matemática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas acabou por não prosseguir esse curso.

No final da década de 80, integrou a vice-presidência da JSD, assumindo depois a sua presidência por mais de seis anos. Em 1991, entra na Assembleia da República na qualidade de deputado, com funções de vice-presidente do Grupo Parlamentar e porta-voz do PSD. Foi vereador sem pelouro na Câmara Municipal da Amadora entre 1997 e 2001 e fundou o Movimento Pensar Portugal. Licenciou-se em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Lusíada de Lisboa em 2001. Vive entre Massamá e Lisboa, habitualmente no verão passa férias de praia na Manta Rota, perto de Vila Nova de Cacela, é viúvo e tem quatro filhas.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 25 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos, referentes ao período balizado entre 1995 e 2020, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Esta lista foi publicada a 4 de setembro de 2020, antes do primeiro fim de semana do nono mês do ano. Retomando a iniciativa a partir do último fim de semana de setembro, mas agora alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescenta agora os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar as personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Sócrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º).

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