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Pintar a dívida de “verde” para ajudar a salvar o planeta

O apetite dos investidores por ‘green bonds’ não para de crescer a nível global, embora a regulação continue a ser um desafio. Em Portugal, novos emitentes poderão seguir os passos da EDP e da Altri.
17 Maio 2019, 10h50

“Isto é o tema, lá fora, literalmente”. Carlos Almeida, diretor de investimentos do Banco Best, não poupa entusiasmo sobre a crescente importância das obrigações verdes (green bonds, em inglês) no mercado internacional de dívida. “É mais do que uma moda, é uma tendência, com várias forças, de vertente regulatória, de imposição dos próprios investidores, que na hora de investir, querem assegurar a sustentabilidade”.

O gestor sublinha que esse tipo de emissões de dívida, destinadas a financiar projetos sustentáveis da perspetiva ambiental, vai crescer de forma significativa nos próximos anos. Portugal não vai ficar de fora e duas cotadas do PSI 20 já deram os primeiros passos nos últimos meses. Antes de satisfazer o crescente apetite dos investidores por este tipo de obrigações, as empresas têm, no entanto, de preparar o terreno.

A produtora de pasta e papel Altri em fevereiro tornou-se na segunda empresa portuguesa a emitir uma green bond, a 10 anos e no valor de 50 milhões euros para financiar a construção de uma central termoelétrica a biomassa na Figueira da Foz. Miguel Valente, diretor de mercado de capitais e gestão de risco da empresa, recordou que a emissão de obrigações não é terreno novo para a Altri, que tem atualmente 12 linhas ativas, mas a mais recente foi especial.

“A novidade foi a ‘pequena grande’ nuance de assumirmos a tipologia de green bond”, refere, sublinhando que, ao contrário do que acontece nas emissões ‘normais’, o processo de preparação envolveu não só a direção financeira, mas também a de sustentabilidade, a de engenharia e a da área florestal. “O resultado foi muito bom e admito que uma vez que as coisas estão mais oleadas, no futuro possamos vir a fazer mais emissões deste cariz para outros projetos”.

A pioneira deste tipo de emissões em Portugal foi a EDP, que em outubro emitiu 600 milhões de euros em green bonds e mil milhões em janeiro. Paula Guerra, diretora da direção financeira, diz que a empresa tem hoje uma situação de liquidez confortável e portanto não está a planear vender dívida nos próximos meses, mas confirma que irá certamente continuar a emitir ‘verde’.

A diretora financeira recorda que as obrigações verdes não trazem um ganho financeiro, não há vantagem nem perdas adicionais face a emissões tradicionais, mas requerem um esforço específico operacional.

“O ponto mais difícil é publicar um green bond framework, e uma vez feito isso tudo é mais simples”, diz, referindo-se ao quadro de compromissos que as empresas podem publicar, para submeter para uma autoridade externa validar o standard ‘verde’. No caso da Altri e da EDP esta certificação foi dada pela Sustainalytics.

O framework, explica Paula Guerra, consiste em cinco pilares que diferenciam as green bonds das obrigações tradicionais. O primeiro, e mais importante, é sobre o uso do encaixe. As empresas têm de especificar como é que vão usar o financiamento. Enquanto a Altri nomeou um projeto específico, a EDP vai destinar os fundos para financiar e refinanciar o portfólio de projetos de energia renovável. O_segundo pilar é a seleção e avaliação dos projetos, o terceiro e o quarto são sobre a aplicação rigorosa do encaixe e o reporte, enquanto o último é a validação pela entidade externa.

A diretora financeira da EDP sublinha que o esforço foi recompensado por uma procura sólida, de três vezes a oferta e derivada de real money investors como gestoras de ativos de longo prazo, que representaram 75% do total, com 14 ordens acima dos 50 milhões de euros.

Nota positiva

Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisbon, salienta que mais de 50% dos investidores institucionais já têm considerações de sustentabilidade na escolha dos investimentos. Dado esse cenário, “a Euronext está a acompanhar, a divulgar e a promover este segmento ativamente, incluindo em Portugal”.

“Vimos interesse de emitentes além dos dois que já fizeram emissões em Portugal. Temos conhecimento que há outros emitentes a olharem para este tipo de instrumentos, portanto aí também é uma nota positiva”, refere. Recorda ainda que a emissão de green bonds da Altri foi a primeira a ser admitida para negociação na bolsa de Lisboa, na Euronext Access (enquanto a da EDP foi admitida em Dublin).

A presidente da bolsa nacional frisa que o instrumento green bond tem vindo a crescer “na atividade de listing do grupo pan-europeu de forma muito significativa, com níveis de procura muito elevados”.

A nível global, o volume de emissões de obrigações verdes tem batido recordes sucessivos. Em 2019, segundo uma projeção da Climate Bonds Initiative, deverá atingir os 180 mil milhões de dólares, superando largamente os 167 mil milhões do ano passado.

A agência de rating Standard & Poor’s prevê que “as instituições financeiras em particular continuem a aumentar a quota de emissões de green bonds nos próximos anos, à medida que as necessidades de investimento para a transição de uma economia de baixas emissões de carbono aumentam”.

Carlos Almeida, do Banco Best, sublinha que há um grande predomínio dos bancos nas emissões deste tipo de dívida.

“Pode parecer surpresa, mas o que os bancos fazem é ir ao mercado financiar-se através de green bonds, com o propósito de depois financiar projetos que depois são green”.

A emissão da Altri, por exemplo, foi organizada, montada e e subscrita pelo BPI, a primeira do banco em Portugal, apesar de a ‘casa-mãe’ catalã Caixabank já ter tido essa experiência no passado.

O gestor do Best estima que novas emissões de obrigações verdes em Portugal possam surgir nos setores da petroquímica (por exemplo a Galp), da produção automóvel, ou mesmo da indústria.

Outra tendência natural deverá ser a criação de consórcios de empresas de escala média para lançar este tipo de financiamento, pois os investidores institucionais costumam ir apenas a vendas de volume elevado e visar o mercado de retalho é ainda complicado.

Carlos Almeida explica ainda que não são só as empresas a emitirem green bonds. A França já emitiu obrigações verdes soberanas. Em Portugal, o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, referiu em fevereiro do ano passado a possibilidade de uma emissão soberana green, mas desde essa data não têm surgido novidades.

Existem ainda vários exemplos, a nível global, de emissões por parte de bancos de desenvolvimento, de áreas metropolitanas (especialmente na Austrália), à luz da aposta crescente em mobilidade limpa, por exemplo.

O gestor frisa que a regulação e a harmonização dos critérios é crucial para o futuro deste novo segmento de dívida. “Há desafios na perspetiva global – a China tem sido forte na aposta neste instrumento, mas o que é verde na China muitas vezes não é considerado verde na Europa”.

Almeida explica ainda que há o perigo do chamado green washing, ou seja, a utilização do ‘verde’ como marketing, mas que depois se descobre tem outros ativos pelo meio. “Isto preocupa os reguladores e a União Europeia está a estudar a criação de ecolabels para este tipo de financiamento”.

Regulação convocada

Em Portugal, a Comissão do Mercado de Valores  Mobiliários (CMVM) tem dado cada vez mais atenção ao tema da sustentabilidade no financiamento.

“Estamos já ser chamados a intervir, enquanto reguladores e supervisores, através da participação empenhada na construção do direito europeu nesta matéria e da sua incorporação e implementação a nível nacional, incluindo na supervisão”, referiu Gabriel Figueiredo Dias, presidente da CMVM, na última conferência anual do regulador, em novembro.

A missão principal nesta fase, adiantou, é “de eliminar o risco de branqueamento de práticas negativas por via das finanças sustentáveis e assegurar que a informação que chega ao mercado nesta matéria é rigorosa e credível”.

Na mesma intervenção, Figueiredo Dias alertou que a disponibilização de novos instrumentos de investimento de impacto, por exemplo sob a forma de fundos de investimento social, pressupõe, para assegurar credibilidade e utilidade, a sua regulação e supervisão de qualidade.

”A pressão dos clientes sobre os investidores institucionais para escolhas sustentáveis nos seus investimentos impõe uma monitorização cuidadosa dessas escolhas à luz das políticas de investimento anunciadas e de critérios prudenciais”, explicou.

Segundo a presidente da CMVM, a governação societária ligada a objetivos de sustentabilidade de longo prazo “convoca a intervenção dos reguladores para garantir a transparência e do correto funcionamento do mercado e das instituições financeiras, para a proteção dos investidores e a prevenção do risco sistémico”.

“Perante a evidência de que a sustentabilidade e as preocupações a ela associadas afetam a economia, o alheamento dos responsáveis pelas políticas e dos reguladores não é uma opção,” concluiu Gabriela Figueiredo Dias.

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