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PME têm cerca de 20% do crédito em moratória coberto por depósitos nos bancos

Cerca de 40% das novas operações de crédito contratadas pelas empresas não financeiras, entre março e setembro de 2020, estavam associadas a linhas de crédito com garantia pública, com taxas de juro mais baixas, períodos iniciais de carência de capital elevados e maturidades longas, diz o BdP.
17 Dezembro 2020, 17h14

Apesar de 32% do crédito a empresas, em setembro de 2020, estar em moratória, o Banco de Portugal lembra que cerca de 20% do crédito a PME em moratória está coberto por depósitos nas próprias instituições onde têm o crédito.

Com base num inquérito a sete dos maiores bancos do sistema financeiro português, conclui-se que entre as empresas com créditos em moratória, o peso de 20% dos depósitos no crédito em moratória das PME é superior ao das grandes empresas, lê-se no Relatório e Estabilidade Financeira (REF).

As PME, os setores mais afetados pela crise pandémica e as empresas com menor risco antes da pandemia recorreram mais, em termos relativos, ao crédito com garantia pública. Estas diferenças são menos marcadas no crédito em moratória, diz o relatório.

“Ainda que a maior liquidez nas PME por comparação com as grandes empresas possa estar associada a dificuldades estruturais de obtenção de financiamento, a existência de liquidez destas empresas junto das instituições onde detêm créditos em moratória poderá atuar como um mitigante à materialização do risco de crédito”, considera o BdP.

O aumento do endividamento das empresas no geral ocorreu em simultâneo com um aumento da respetiva liquidez. O rácio de dívida líquida de depósitos aumentou 2,7 pp no primeiro semestre de 2020 face a dezembro de 2019, para 72%, com contributos de 2,4 pp da dívida, -2,1 pp de numerário e depósitos e 2,4 pp decorrentes da queda do PIB nominal. O aumento da liquidez das empresas estará associado à obtenção de novo crédito que não foi imediatamente utilizado numa despesa da empresa.

O banco central refere ainda que cerca de 40% das novas operações de crédito contratadas pelas empresas não financeiras, entre março e setembro de 2020, estavam associadas a linhas de crédito com garantia pública, com taxas de juro mais baixas, períodos iniciais de carência de capital elevados e maturidades longas, diz o BdP.

O supervisor considera que as moratórias não correspondem na totalidade a risco de aumento de malparado, porque há empresas que recorrem às moratórias apenas por precaução perante a incerteza.

Crédito a particulares: endividamento aumentou mas taxa de poupança também

Há 17% do crédito a particulares em moratória nos sete bancos que têm 80% do mercado, segundo o relatório do BdP.

“O endividamento de particulares aumentou ligeiramente”, segundo o relatório, devido às novas operações de crédito à habitação, à redução das amortizações por adesão aos programas de moratória e à interrupção no crescimento do rendimento disponível.

Mas as moratórias limitaram a materialização do risco de crédito no curto prazo. Por outro lado a taxa de poupança dos particulares aumentou no primeiro semestre de 2020. O BdP justifica este aumento da poupança com as restrições à mobilidade que reduziram despesas de consumo habitual das famílias e também com a elevada incerteza económica que leva à poupança por precaução.

Os depósitos dos particulares aumentaram com o aumento acentuado da poupança e as moratórias. O rendimento disponível dos particulares estabilizou no primeiro semestre de 2020 face ao primeiro semestre de 2019 (crescimento de 0,2% em 2020, face a 3,7% em 2019). Por sua vez, a taxa de poupança dos particulares ascendeu a 12,3% do rendimento disponível no primeiro semestre de 2020 (4,8% no primeiro semestre de 2019).

“O aumento da taxa de poupança foi motivado por uma redução do consumo associado às restrições de mobilidade que limitaram parte das despesas habituais das famílias e pela elevada incerteza sobre a duração da crise pandémica que potenciou a poupança por motivo de precaução”, diz o REF.

O aumento da poupança aliada à moratória terá contribuído para a subida da liquidez dos particulares, traduzida num aumento de 4,0 pp da sua posição de numerário e depósitos para 137,0% do rendimento disponível em junho de 2020 face a junho de 2019. No entanto, “a evolução agregada do rendimento disponível, da poupança e do consumo poderão esconder diferenças do impacto da crise pandémica sobre o rendimento individual dos particulares. Tal é especialmente relevante tendo em conta a heterogeneidade do impacto da crise pandémica no emprego entre diferentes setores de atividade e escalões de rendimento”, diz o BdP.

Houve uma redução acentuada do endividamento dos particulares no período que se seguiu à crise da dívida soberana, lembra o BdP. Assim como houve uma redução do rácio entre o serviço da dívida e o rendimento; e do rácio entre a dívida e o rendimento transversal a todos os níveis de rendimento, o que ajuda agora a mitigar os riscos.

Outro mitigante da vulnerabilidade do crédito a particulares, foram as medidas públicas de apoio (lay-off, reforço dos estabilizadores automático e moratórias). Existe a evidência, segundo o BdP, que o recurso a moratória também ocorreu por motivos de precaução, já quem parte dos pedidos de moratórias foram de pessoas que não tiveram quebras no rendimento.

“Mais de metade dos mutuários com empréstimos em moratória pertencem a agregados familiares que não terão registado uma quebra de rendimento face ao nível pré-pandemia. Este resultado indicia que uma parcela significativa de devedores terá recorrido à moratória por motivo de precaução, pese embora esta possa ter sido, também, a principal motivação para famílias com quebras de rendimento”, lê-se no REF.

“A possibilidade de famílias em situação de desemprego, em isolamento profilático, de doença ou prestando assistência a familiares terem acesso a esta medida [moratória] terá, entre outras condições de elegibilidade, contribuído para este resultado. Contudo, dos devedores com reduções de rendimento, mais de metade registaram uma quebra superior a 20%”, adianta o documento. “Não se observa uma diferença significativa no perfil de emprego e de alteração de rendimento entre devedores com moratória no crédito à habitação e devedores com moratória no crédito ao consumo. Contudo, no caso do crédito ao consumo em moratória, a percentagem de mutuários com quebra de rendimento é superior em 1 ponto percentual”, constata o BdP.

As taxas de juro baixas, a extensão do período de moratórias e a melhoria do perfil de risco dos clientes bancários mitigam a materialização do risco de crédito.

Já no que toda ao aumento da dívida pública e ao aumento da exposição da banca à dívida pública, o BdP considera que a política monetária do BCE, é um mitigante do risco.

Para além da proporção relevante de títulos de dívida pública que estão registados ao custo amortizado (cerca de 40% do total da carteira em junho de 2020).

O BdP deposita esperanças também na implementação de um plano de consolidação orçamental assim que a situação económica estabilizar.

O peso do crédito a particulares em stage 2, isto é, com um aumento significativo do risco de crédito desde a originação, é superior na carteira de crédito em moratória, por comparação com o que se regista para o total da carteira de crédito a particulares. A carteira em moratória tem, assim, na perspetiva dos bancos, um risco acrescido por comparação com a carteira performing que não está em moratória, diz o Relatório.

O documento adianta que cerca de 29% do crédito em moratória está associado a mutuários com incumprimento recente – interpretado, neste contexto específico, como havendo registo de crédito vencido há mais de 30 dias em algum dos créditos que detinham – em pelo menos um mês entre janeiro de 2019 e setembro de 2020, dos quais 4,8% apenas o registaram nos meses da pandemia, o que compara com 17% e 2,3%, respetivamente, para o crédito que não está em moratória.

A adesão à moratória de crédito contribuiu para aliviar temporariamente o serviço da dívida das famílias. O BdP estima que entre março e setembro de 2020, as prestações devidas e não pagas tenham ascendido a aproximadamente 650 milhões de euros.

Até setembro de 2021, e tendo em consideração os diferentes prazos de vigência para a moratória pública e para as moratórias privadas e a hipótese de não existirem saídas voluntárias de moratória, este montante poderá ascender a 2 mil milhões de euros, com cerca de 4% deste montante a corresponder a juros não pagos, diz o BdP.

Sobre as perspetivas de rentabilidade baixa na banca, pressionada pelos juros baixos, pelo aumento dos NPLs (malparado) e pelo aumento da concorrência com outros operadores (por ex: fintechs), o BdP considera que a diminuição significativa dos níveis de NPLs desde junho de 2016 é um mitigante da materialização dos riscos.

Recorde-se que as orientações da EBA sobre os créditos em moratória apontam para a necessidade das instituições continuarem a avaliar continuamente o risco intrínseco das exposições abrangidas por moratória e a classificá-las adequadamente.

Os rácios de NPL bruto e líquido de imparidades continuaram a reduzir-se, diz o REF. “Porém, a queda ocorreu a um menor ritmo, traduzindo maiores dificuldades na redução dos empréstimos não produtivos. Já há alguns sinais que apontam para uma materialização acrescida do risco de crédito”, lê-se no relatório.

Verificou-se um ligeiro aumento dos empréstimos restruturados, dos empréstimos produtivos vencidos e dos empréstimos não produtivos, no crédito a particulares para consumo e outros fins, tendo este último sido acompanhado por um aumento da cobertura por imparidades. “De forma similar, a cobertura por imparidades aumentou para as duas componentes do crédito (produtivos e não produtivos)”, acrescenta o BdP.

A deterioração da rendibilidade decorreu sobretudo do aumento das provisões e imparidades líquidas, que tiveram um contributo de -0,32 pp para a variação do Rentabilidade do Ativo.

A baixa rentabilidade já vinha detrás e os bancos portugueses não estão sozinhos neste calvário, a realidade é partilhada por outros bancos do euro. No entanto a crise pandémica acentuou o desafio nomeadamente por causa do aumento de imparidades.

A redução dos custos operacionais, o reforço e ajustamento significativo observado na sequência da crise de dívida soberana, mitiga também esta vulnerabilidade. Assim como o investimento que os bancos fazem na digitalização do modelo de negócio.

Segundo o REF, o sistema bancário português continua a apresentar provisões e imparidades, em percentagem do ativo médio, superiores à média europeia, refletindo um dos rácios de NPL mais elevados da área do euro.

Em junho de 2020, o rácio de NPL líquido de imparidades situou-se em 2,6%, -0,4 pp que em dezembro de 2019. A redução do rácio de NPL bruto e o aumento da cobertura por imparidades contribuíram em 0,3 pp e 0,1 pp respetivamente para a diminuição do rácio. Esta redução foi transversal aos segmentos de SNF e particulares.

Apesar do rácio de NPL bruto ter aumentado no segmento dos particulares relativo ao consumo e outros fins, a subida da cobertura por imparidade mais do que compensou o acréscimo dos NPL, diz o BdP.

O contributo dos novos NPL líquidos de curas para a evolução do rácio de NPL bruto foi aproximadamente nulo.

O REF realça ainda que no primeiro semestre, o crescimento dos empréstimos produtivos foi de 6,1%, tendo o aumento das disponibilidades em bancos centrais contribuído em 4 pontos percentuais.

 

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