Na sequência da intervenção militar da Rússia, e consequente aumento das tensões geopolíticas com os países da NATO, as principais economias da comunidade internacional têm vindo a aplicar sanções económicas sem precedentes, no sentido de pressionar em favor do final da agressão militar na Ucrânia.

A escala tem sido a um ponto tão profundo, que a Rússia – um país membro do G-20 e a 11ª maior economia do mundo – está a ser praticamente extraída do processo de globalização do século XXI.

Até ao conflito atual, a utilização de sanções económicas em situações similares era uma estratégia considerada de pouca eficácia, muitas vezes prejudicada por lacunas jurídicas ou diplomáticas, ou pela falta de capacidade política de implementação das mesmas. Contudo, o sucesso sem precedentes da estratégia de guerra económica pode também trazer efeitos inesperados para uma economia global, cada vez mais interligada.

À partida, parece difícil que possamos estar perante uma recessão. Mas à medida que o conflito avança no tempo, e que uma nova cortina de ferro vai descendo sobre o mundo, a probabilidade de um ciclo de recessão aumenta, assente nas atuais fragilidades financeiras e económicas que o mundo enfrenta. E para o qual se deve organizar uma resposta sólida.

O Ocidente colocou tudo menos “botas” militares no campo de batalha

A intervenção militar originou um enorme apoio político e humanitário à Ucrânia por parte das principais instituições da comunidade internacional, que condenaram a invasão Rússia em várias instâncias, sendo o caso mais flagrante a ONU, onde pela segunda vez o ato foi condenado por mais de 140 países.

Mas, mais importante que isso, tem sido o apoio a nível de equipamento militar e o suporte financeiro ao governo ucraniano por parte dos países que constituem a NATO e a União Europeia, e que tem permitido uma resistência acima do esperado no terreno, com enormes custos para o governo russo, sobretudo para o seu presidente, Vladimir Putin – que enfrenta elevados riscos, a nível político e pessoal, na sequência desta iniciativa beligerante.

Se, por um lado, o Ocidente colocou imensos recursos ao dispor da Ucrânia – praticamente tudo exceto presença de militares –, no sentido de dificultar ao máximo os objetivos de Putin, por outro lado, também implementou sanções económicas com o objetivo claro de limitar profundamente a capacidade da Rússia manter de forma prolongada uma guerra no Leste europeu, e ainda de aumentar a impopularidade do seu líder junto da população – à medida que se prolonga a guerra, Putin vai enfrentando cada vez mais contestação interna.

Resumindo, ao evitarem uma guerra militar, os países da NATO e da União Europeia têm respondido com iniciativas de guerra económica sem precedentes.

As “armas pesadas” da guerra económica contra Putin

Não tenhamos ilusões, as sanções implementadas no âmbito do conflito na Ucrânia são as medidas mais duras alguma vez impostas contra um Estado com a dimensão geopolítica da Rússia, que é, aliás, para além de uma potência militar e nuclear, um membro do G20 e do conselho de segurança das Nações Unidas.

Em menos de um mês, a comunidade internacional retirou o acesso dos principais bancos russos ao sistema financeiro e de comunicações (SWIFT) internacional, cancelou tratados comerciais e o acesso das companhias aéreas do espaço aéreo do atlântico norte, bloqueou a exportação de componentes de alta tecnologia, restringiu as vendas de petróleo russo, apreendeu os bens no exterior de centenas de oligarcas, bloqueou todos os investimentos estrangeiros na economia russa de sua jurisdição e por fim congelou 403 biliões dos 630 biliões de dólares em ativos estrangeiros do Banco Central da Rússia.

O efeito destas medidas tem sido devastador, e há apenas algumas semanas, tal seria inimaginável para a maioria dos analistas internacionais de geopolítica. A Rússia está cada vez mais isolada do mundo e por detrás de uma nova “cortina de ferro” económica do século XXI. Alguns observadores internacionais, como o Institute of International Finance (IIF), consideram que a economia russa pode contrair este ano cerca de 15%, sobretudo se houver mais boicotes que agravem o acesso à importação de bens e serviços, e que agudizem o ciclo recessivo. Mas uma coisa parece certa, as sanções económicas poderão já ter representado um retrocesso de décadas de desenvolvimento para o gigante emergente russo.

Os efeitos colaterais potenciais desta guerra económica

A ferida causada pelas sanções económicas adotadas tem implicações globais. Existem várias frentes onde podemos encontrar repercussões relevantes: i) efeito contágio para os mercados financeiros; ii) impacte no investimento do sector privado; iii) efeitos da escalada acentuada da guerra económica.

No que diz respeito ao contágio para os mercados internacionais, essa tem sido a frente mais visível durante o primeiro mês. Os preços de matérias-primas relevantes, como o petróleo, gás natural, trigo, fertilizantes, cobre, níquel ou alumínio registaram apreciações significativas que terão consequências para os níveis de inflação e para o consumo privado das famílias.

Por outro lado, as sanções trouxeram consigo uma segunda frente, motivada pela debandada de grandes multinacionais ocidentais presentes na Rússia. Um boicote do sector privado provocado por razões morais e reputacionais, mas que dispõe, ainda assim, de capacidade para condicionar as decisões de investimento privado enquanto durar o conflito armado e, possivelmente, para além do mesmo.

Por último, os efeitos de escalada das sanções poderão traduzir-se num clima muito perigoso para a economia mundial.

A escalada de sanções quer dos países ocidentais, quer da Rússia pode conduzir a economia mundial para uma situação de complexos equilíbrios. As recentes restrições de exportação de fertilizantes por parte do governo de Putin, já em retaliação às sanções internacionais, provocaram pressões nos preços dos bens alimentares a nível internacional.

Caso persista a escalada de sanções às exportações por parte da Rússia, por exemplo restringindo o acesso a matérias-primas como paládio, níquel ou similares, indústrias de relevo globais, como os semicondutores, podem ser seriamente afetadas. Ou seja, quanto maior for a escalada de resposta e contrarresposta de sanções durante 2022 entre os países do Ocidente e a Rússia, maior a probabilidade de entrarmos num ciclo recessivo global. E não é certo, para já, que mesmo com o fim dos confrontos beligerantes tenhamos um regresso à realidade anterior a 24 de fevereiro.

Bottoms’ up: o dilema das sanções deve ser gerido com equilíbrio e respostas públicas, sobretudo numa Europa muito aberta economicamente

Sem dúvida que fazer frente a um regime opressor é uma causa válida. Os políticos dos países ocidentais enfrentam uma decisão séria, i.e. sobre até que ponto devem ir as sanções. Os custos existem e nós, enquanto cidadãos, devemos estar preparados para aceitá-las.

Se o objetivo das sanções é exercer o máximo de pressão sobre a Rússia com o mínimo de perturbação em suas próprias economias e, portanto, um risco de reação política doméstica, então provavelmente os níveis atuais de sanções podem ser o topo do que é politicamente viável. Mesmo assim, e para alguns blocos económicos como é o caso da União Europeia, o atual nível de sanções já exigirá, muito provavelmente, que se implementem políticas públicas ou estímulos de compensação.

Contudo, a fragilidade europeia vai mais além da dependência energética relativamente à Rússia. Está sobretudo associada à estratégia económica dos países europeus, que é muito assente em exportações e, como tal, funciona mal num sistema de sanções prolongadas. E se o conflito se prolongar, esta realidade apenas aprofundará a necessidade de maior suporte estrutural de médio prazo, sendo que quanto mais intensas forem as sanções mais danos acabarão por infligir, não apenas aos próprios sancionadores, mas à economia mundial em geral.

Os riscos são evidentes, e não são apenas económicos. Uma intensificação das sanções pode gerar uma escalada de choques materiais que poderão causar danos económicos severos, ao mesmo tempo que os riscos de uma guerra em larga escala poderão manter-se significativamente elevados. Por tudo isto, é essencial gerir bem até onde se pode escalar a guerra económica, criar os mecanismos necessários de compensação para famílias e empresas, e percorrer rapidamente todos os caminhos diplomáticos e económicos que possam pôr fim ao conflito.