Chamo a atenção para o primeiro inquérito nacional às Práticas Culturais dos Portugueses, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais, e cujas conclusões foram apresentadas esta semana. A novidade e relevância do estudo reside no facto de não se focar tanto na oferta cultural, mas na participação cultural dos portugueses. Quem lê mais livros e frequenta teatro ou cinema? Que faixas etárias têm menos hábitos culturais? Que práticas culturais são as mais favorecidas? A educação é ou não um fator relevante quando procuramos avaliar a participação cultural dos portugueses?

Parte das conclusões confirma o que muitos de nós já suspeitávamos. Afirma Miguel Lobo Antunes, um dos coordenadores do estudo: “Há uma diferença muito grande entre os mais ricos e os mais pobres, entre os mais velhos e os mais novos e entre os mais instruídos e os menos instruídos. […] Quem lê, quem vai a espectáculos, quem visita museus ou monumentos são os mais ricos, os mais educados e os mais novos.”

Sem surpresas, entre as práticas culturais dos mais novos e mais velhos regista-se também uma enorme clivagem social. Temos uma população cada vez mais envelhecida e infoexcluída que se distancia enormemente de uma população jovem que praticamente habita na Internet.

Outras conclusões são bastante reveladoras: apesar de não haver falta de oferta cultural, o público adere pouco. Como explicar essa falta de adesão, reduzindo a Cultura ao velho cliché de ser uma prática apenas destinada a elites? O estudo é claro na medida em que indica que artes eruditas, como a dança, o teatro, a música clássica, ainda continuam a ser práticas com adesão pouco expressiva, em comparação com outras atividades como cinema, visitas a museus ou exposições. De que forma os criativos e agentes culturais podem também fazer o seu contributo para alterar essa perceção?

Em relação à leitura, os serviços digitais encorajam mais leitura entre os mais jovens, mas recorrem menos a formatos tradicionais. Os jovens não têm falta de novas aplicações e serviços digitais que lhes permitem consumir intensivamente filmes, música, séries, e-books, jogos, hábitos que se terão consolidado ainda mais com a pandemia.

Mas voltemos à principal conclusão do estudo: “As grandes desigualdades das práticas culturais são as que derivam dos rendimentos, da educação e da idade. Estas três realidades não são atacáveis através de políticas culturais, mas através de outros instrumentos do poder do Estado.”

Este conjunto de conclusões é fundamental para um setor que precisa de repensar seriamente o seu papel e democratizar-se com recurso a soluções que envolvam não apenas o sistema de ensino, como também as autarquias, associações culturais e civis, e sobretudo o governo central, numa ótica que não seja puramente economicista.

Podemos achar que nenhuma destas conclusões é novidade e que seria algo natural a Cultura estar de mãos dados com o privilégio social, mas o acesso à Cultura não deveria depender nunca da capacidade económica do nosso agregado familiar, nem esta constituir uma barreira intransponível. É altura de contribuirmos com novas formas de pensar, criar e oferecer Cultura, de forma intersecional, introduzindo novos modelos de desenvolvimento que se adaptem às mudanças vertiginosas dos nossos tempos.