A economia chinesa foi a mais mal tratada pelos analistas nos últimos anos. Desde a falta de credibilidade das estatísticas, até aos riscos do rápido endividamento, passando pelas famosas cidades zombie – que contrastam com uma possível bolha do imobiliário noutras cidades – vários são os factores que foram/são apontados como evidência da insustentabilidade do rumo da economia chinesa. Pelo menos se observada pelas lentes da teoria económica ocidental.

Como mencionei no último artigo sobre este tema, na minha opinião as lentes da teoria económica ocidental são pouco úteis quando analisamos uma economia tão centralizada como a chinesa. Para complementar o facto do coração da economia estar nas mãos do Estado, o Governo chinês tem a particularidade de não ter que se justificar perante o povo, visto que só existem “eleições” dentro do Partido Comunista. Estes dois factos mudam radicalmente as dinâmicas do jogo económico.

A centralização económica e a resistência do regime levam a que a economia seja conduzida (pelo Governo!) com o objectivo principal de manter a estabilidade social – a instabilidade social é a única coisa que pode fazer desmoronar o regime – mas com pouco critério relativamente à eficiência da alocação dos recursos económicos, e com desconsideração pelas poupanças dos aforradores.

Não interessa muito se determinada indústria é pouco rentável e demasiado endividada. Se emprega muitos trabalhadores, continuará a receber crédito. E não interessa muito para onde é que as poupanças da população são direccionadas, desde que a estabilidade monetária seja mantida.

A ineficiência na alocação de recursos e a desconsideração pelas poupanças tornam-se secundários enquanto os ganhos de produtividade na economia são altos. Ganhos de produtividade altos permitem que todos ganhem (Estado, empresas e trabalhadores) e que as ineficiências sejam chutadas “down the road”. Mas quando a economia deixa de ter tecnologia nova para importar e mão-de-obra barata para explorar, as consequências das ineficiências começam a tornar-se crescentemente desconfortáveis.

Quando este desconforto aumenta, os governos de regimes tão “estáveis” como o da China tendem a recorrer a uma medida de fácil implementação, mas que tem efeitos semelhantes aos de uma droga. Eficaz no curto prazo, mas nociva, e até fatal, no longo prazo se abusada. Essa medida é a expansão da oferta monetária.

A China ainda está longe do ponto em que esta medida é fatal, ou mesmo nociva. Mas já começou a tomar esta droga, e deixar de a tomar requer uma disciplina dolorosa, que normalmente só é administrada por um banco central independente (que não é o caso do chinês).

A ameaça inflacionista ainda parece estar longe da China. Mas se a história de outros casos de economias centralizadas e com governos não sujeitos ao teste das eleições servem de exemplo, é provável que o Governo chinês continue a fazer uso da droga monetária, e que só seja detido por uma crise inflacionista.

Até lá, a economia chinesa deverá continuar a “crescer” a uns estranhamente estáveis 5-6%, com um desemprego em torno dos 3-4%. Porque é assim que se mantém a estabilidade social, pelo menos durante mais alguns anos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.