Pagar impostos é um dever fundamental de todos nós. Um dever incontornável no Estado contemporâneo, que aumenta em extensão e intensidade, amparado por uma máquina fiscal cada vez mais afinada na cobrança.

Porém, por razões de certeza, de segurança e de paz jurídica, certo é que para que o Estado possa, de modo legal, agir coercivamente contra os contribuintes relapsos, existe um prazo. Prazo findo o qual se extinguem as obrigações tributárias, nada mais estando ao alcance dos serviços de cobrança da Autoridade Tributária para arrecadar tal receita.

Trata-se do instituto da prescrição, consagrado legalmente pelo nosso ordenamento jurídico no quadro das garantias dos contribuintes. E em razão do qual, ao abrigo do princípio da legalidade tributária, constitui obrigação do órgão de execução fiscal conhecê-lo oficiosamente e declarar a extinção das obrigações tributárias em execução.

A garantia da prescrição deixou, no entanto, de acordo com a mais recente corrente de raciocínio sufragada pelo nosso Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de ser uma realidade alcançável para os contribuintes, passando a ser, por assim dizer, uma utopia legislativa.

Para tal entendimento jurisprudencial (suportado numa hermenêutica jurídica do texto legislativo-tributário que não conduz à melhor aplicação do Direito), uma vez citado o devedor para a execução fiscal, o acto de citação tem, relativamente ao prazo da prescrição, um duplo efeito: (i) interruptivo instantâneo, previsto na Lei Geral Tributária, e (ii) suspensivo duradouro até que o processo de execução fiscal tenha decisão final com trânsito em julgado, por aplicação subsidiária do Código Civil.

Ou seja, a aplicação deste raciocínio interpretativo (de aplicação subsidiária do Código Civil aos efeitos da citação ocorrida no processo de execução fiscal como facto interruptivo), faz com que o prazo interrompido com a citação do executado não seja retomado, adiando-se a prescrição sine die. Como resultado, fica o processo de execução fiscal indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre. O que não pode deixar de causar enorme perplexidade ao cidadão comum.

Salvo o devido respeito, o reconhecimento deste duplo efeito (instantâneo e duradouro) à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado afigura-se absurdo e inadmissível, violando, de modo expresso e incontroverso, as garantias do contribuinte e os princípios da certeza e da segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

Ao colocar-se a presente questão sobre “porque já não prescrevem as dívidas fiscais?”, para além da defesa da interpretação sistemática e da busca de coerência entre as normas jurídicas, procura-se trazer à consciência do debate jurídico-tributário o estatuto constitucional do indivíduo executado, nesta matéria visivelmente preterido em face das contínuas e evidentes exigências fiscais (conforme os dados da percentagem crescente da receita de impostos do Estado no PIB).

Pois bem, o estatuto do executado como pessoa, convoca tanto deveres como direitos fundamentais. Na verdade, se, por um lado, o Estado é, por força da própria Constituição e por imperativos da realidade, um Estado fiscal (ou seja, um Estado que tem nos impostos o seu suporte financeiro fundamental), por outro, exigem-se barreiras eficazes contra o poder tributário. Barreiras essas que impõem uma correcta e contextualizada interpretação da lei tributária, e implicam a intervenção de princípios de carácter material como os da igualdade fiscal, da capacidade contributiva, do respeito pelos direitos fundamentais, etc.

Em conclusão, o entendimento jurisprudencial que se contesta será compreensível no respeitante à concepção dos impostos com o objectivo principal de obtenção de receitas. Todavia, esta instrumentalização extrafiscal do direito dos impostos, na medida em que se conceba como sendo admissível, não pode deixar também de guiar-se por outras exigências, nomeadamente as relativas às apontadas garantias dos contribuintes e ao princípio da legalidade tributária, que cumpre respeitar e defender.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.