[weglot_switcher]

Porto Law Summit debate prós e contras das sociedades multidisciplinares

As sociedades multidisciplinares – uma espécie de loja do cidadão onde um cliente passará a encontrar uma multiplicidade de serviços – estão a chegar. Mas não é claro se os advogados estão disponíveis para as aceitar. O bastonário definitivamente não está.
29 Setembro 2022, 13h07

É um dos temas que mais apaixona o universo da advocacia portuguesa: a abertura das consultoras à possibilidade de incorporar serviços jurídicos é ou não defensável? A Porto Law Summit 2022, que se realiza ao longo do dia na sede portuense da ANJE — Associação Nacional de Jovens Empresários e de que o Jornal Económico é media partner, lançou mais uma vez o debate.

Ficou desde logo marcado pela intervenção do bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão – que esta semana lançou a sua recandidatura ao lugar – que a abertura das consultoras ao universo da advocacia não é nenhum benefício para a classe, na sua opinião. Recordando o papel “fundamental dos advogados” na defesa dos direitos – “o que ficou bem claro durante a pandemia” – Luís Menezes Leitão disse considerar que as sociedades multidisciplinares têm como único objetivo é a entrada das grandes auditoras em mais um segmento de negócio. Puro objetivo economicista, em relação ao qual o bastonário não parece estar convencido de qualquer bondade por trás da proposta.

Mais: este tipo de sociedade “criará algum emprego, mas sem remuneração adequada”, o que implicará um salto atrás da própria profissão, que assim ficará mais exposta à sua própria autodefesa.

Do debate que se seguiu resultaram duas evidências claras: há, por um lado, um posicionamento geracional em relação à questão; e, por outro, as sociedades multidisciplinares são inevitáveis: elas estão aí, já são legalmente possíveis, não há como impedi-las. ‘Se não as podes vencer, junta-te a elas’, parece ser uma espécie de palavra de ordem que a profissão adotou – principalmente os seus membros mais novos.

E, contudo, Luís Menezes Leitão deixava ao debate um problema prático de resolução difícil: “Como se compatibiliza o trabalho entre um contabilista certificado que tem um dever de informar a administração fiscal de qualquer anomalia, e um advogado que tem o dever de sigilo?”

A resposta parece ser: “com regulação”. Foi essa, pelo menos, uma das conclusões do aceso debate que se seguiu.

Ana Filipa Urbano afirmou que as sociedades multidisciplinares “vão ser uma realidade, cabe-nos contribuir para a sua implementação”. O que, afirmou, não é totalmente uma novidade: “A resposta multidisciplinar já é dada pelas parcerias” que as sociedade de advogados mantêm há muito. Mas acredita que, “do ponto de vista do cliente não é uma grande necessidade”: quem procura um advogado não procura propriamente um sistema chave-na-mão.

Para todos os efeitos, disse, “é preciso o reforço dos mecanismos do estatuto de sigilo profissional”. E lembrou que um debate semelhante aconteceu há muito em relação às sociedades de advogados – ao tempo, vários profissionais colocaram óbices ao seu surgimento, mas de nada valeu.

João Quintela Cavaleiro afirmou, por seu turno, que “é preciso definir regras e essas regras têm de ser muito bem definidas”, sob pena de os clientes deixarem de ter uma perceção sobre aquilo que pode esperar em relação às ofertas do mercado.

Francisco Mendes da Silva, que admite que a abertura das sociedades multidisciplinares é “uma imposição europeia”, é ao mesmo tempo “uma imposição vinda de cima”. Ou seja, “o mercado nunca exigiu multidisciplinaridade” e Mendes da Silva está convencido de que assim vai continuar.

Mesmo assim, é uma evolução inexorável, que não vale a pena contrariar – num quadro, repetiu em que “os problemas deontológicos que devem ser acautelados. “Não sou contra a evolução, sou é cético em relação àquilo para onde nos vão levar”.

João Almeida, ex-dirigente centrista, descobre na realidade em volta uma incompatibilidade: “a lei diz que as sociedades multidisciplinares podem existir mas a lei permite que as exceções sejam a regra, uma vez que as ordens podem impedir a sua existência”. E isso deve ser, na sua opinião, rapidamente alterado.

“Noutros países esta realidade existe e não podemos ignorar esse facto”, reforçou, para concluir que a criação deste tipo de sociedades pode beneficiar, agilizar o relacionamento entre a profissão e o mercado. “É mais importante concentramo-nos nas questões de compatibilidade que discutir se se criam ou não”.

João Gomes de Almeida, da entidade organizadora e fundador da consultora de comunicação que é ela própria multidisciplinar, tinha no início do debate dado o mote: o tema é necessariamente polémico, e daí a importância do debate que a Porto Law Summit em boa hora decidiu promover. Para Gomes de Almeida, a conclusão dos trabalhos era também óbvia: apesar de todos os perigos – nomeadamente de concentração de sociedades que criarão gigantes com eventual demasiada influência – a existência das sociedades multidisciplinares já não é uma possibilidade: é uma realidade.

O princípio da incerteza

O segundo tema da manhã, bem menos polémico, tinha a ver com o impacto que a envolvente, marcada pela crise patrocinada pela guerra na Ucrânia, a inflação e a subida das taxas de juro vai exercer na própria profissão. Cecília Meireles João Pacheco Amorim, Miguel Palma, Odete Sousa Pereira e Pedro Vaz Mendes formavam o painel.

As crises económicas traduzem-se sempre em novas oportunidades, uma vez que o mercado alvo dos advogados não deixa de ter problemas. Pelo contrário: as novas crises colocam sempre novos problemas, que implicam novas necessidades de recorrer aos profissionais de sempre. Será talvez esta a principal conclusão – sem por isso ser de esquecer, como recordou Cecília Meireles, “o princípio da incerteza”.

“Não nos esperam tempos maravilhosos”, alertou mesmo assim Odete Sousa Pereira. A saída, uma deles, será por certo, “a concentração de sociedades de advogados e a criação de marcas fortes”, como afirmou Miguel Palma. Mas isso fará disparar os custos fixos, lembrou Cecília Meireles.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.