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Portugal em 1986: um país por fazer

Quando Portugal aderiu à CEE, a diferença entre o mundo interno e externo às fronteiras era de tal ordem, que hoje é difícil de acreditar.
25 Março 2017, 09h03

Passando algum exagero, em 1986, em Portugal estava tudo por fazer. O antigo regime, deposto pela Revolução de 1974, sabia disso – possivelmente melhor que ninguém: esboçou uma primeira aproximação à Comunidade Económica Europeia ainda nos anos 60 do século passado, ao mesmo tempo que (entre)abria as portas ao envolvimento de grupos estrangeiros nos negócios nacionais (a Lisnave, do grupo Mello, foi pioneira neste quadro, mas António Champallimaud andava por perto). Mas nada disso foi suficiente para convencer os futuros parceiros europeus a aceitarem uma ditadura velha, colonialista e seráfica no seu seio.

Os primeiros anos da democracia tinha coisas bem mais urgentes a tratar e mesmo que não tivesse, o confronto entre as forças políticas no terreno não dava espaço para opções estratégicas de longo curso. Nos primeiros anos, os partidos políticos limitaram-se a exercer uma navegação de cabotagem, enquanto geriam o risco de guerra civil, o risco de banca-rota, o risco de insuficiência cardíaca que acompanhou (porque de outra forma não podia ter sido) o imenso fôlego libertador de reter a respiração durante 48 anos.

Mário Soares, recentemente desaparecido, e as forças alojadas no centro-esquerdo, no centro e no centro-direito do espectro político, ganharam a convicção de que o país continuaria a ser a imensa irrelevância que fora até aí se não entrasse na CEE. O mesmo servia para Espanha – que tinha passado por uma história recente com muitos pontos em comum com a portuguesa, com a agravante de uma guerra civil. A CEE – tal como sucederia mais tarde com os países que deixaram de fazer parte da cintura externa da desaparecida União Soviética – tinha (porque a criou para si) a obrigação moral de aceitar no seu seio os povos ibéricos, por muito que soubesse ou ao menos suspeitasse que eles eram aqueles de quem se dizia que não se sabiam governar mas não aceitavam quem os governasse.

A entrada de Portugal na CEE foi o passaporte que permitiu ao país atravessar a ponte para a modernidade. Quem ainda se lembra de viajar pela Europa antes da adesão há-de reter para sempre a inacreditável diferença entre os dois mundos, que se consubstanciava nas coisas mais insignificantes – mas que tinha relevância no que era fundamental. Os mais reticentes – onde se encontrava alguma esquerda (o PCP) ainda vinculada ao mundo bicéfalo da guerra fria e alguma direita conservadora que tinha medo dos biquínis, das mini-saias e das mulheres que fumavam fora de casa – não tiveram grande margem de manobra para fazer vingar as suas agendas.

Porque, de algum modo, a entrada na CEE foi o segundo fôlego de liberdade, que verdadeiramente liberto o país e que não podia deixar de ser uma sequência desse primeiro fôlego de Abril de 74.
Os fundos comunitários fizeram o resto : por muito que parte deles tenha ido parar às formações profissionais que nunca existiram, aos edifícios que nunca foram construídos ou aos que, tendo sido construídos, custaram o triplo do que estava previsto, o país mudou. E mudou tão radicalmente, que olhar para as fotos do que era Portugal antes de 1986 parece uma anedota – ou um filme de terror, conforme os pontos de vista.

Entrar a meio
Mas não é de esquecer que a Ibéria entrou na CEE quando a estrutura estava prestes a fazer 30 anos. A luxúria cromática dos primeiros tempos já havia passado, e a CEE já estava a vergar-se à sintomatologia própria de um corpo que crescia com alguma desmesura e começava a ficar demasiado balofo. Isto é, Portugal e Espanha haveriam de alguma forma de sofrer dores de crescimento que os seus pares tinham sentido umas décadas antes – e isso iria fazer toda a diferença. Foi, por isso, um crescimento assimétrico, que resultou em muitos efeitos colaterais – ou, dito de outro modo, deixou muitos mortos pelo caminho.

Mas, seja como for, o país não seria o mesmo se não tivesse aderido, ou não tivessem deixado que ele aderisse, a uma estrutura que não sendo perfeita, é bem melhor que a alternativa de não estar em lado nenhum.

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