Portugal empreendedor

Durante os Descobrimentos, os navegadores portugueses revelaram-se visionários empreendedores que conseguiram ver para além do momento presente. Eles tiveram a coragem, a bravura e a ousadia de partir para o desconhecido. Pioneiros na globalização do mundo, pegaram num caminho que não tinha mapa e deram novos nomes ao mundo. O espírito aventureiro, a ânsia de […]

Durante os Descobrimentos, os navegadores portugueses revelaram-se visionários empreendedores que conseguiram ver para além do momento presente. Eles tiveram a coragem, a bravura e a ousadia de partir para o desconhecido. Pioneiros na globalização do mundo, pegaram num caminho que não tinha mapa e deram novos nomes ao mundo.
O espírito aventureiro, a ânsia de conquistar novas terras e a tentativa de estabelecer contactos com outras civilizações e culturas foram alguns dos aspetos que incentivaram os nossos antepassados a viajar por mares desconhecidos.

O que resta destes visionários descobridores, curiosos e lutadores, exploradores ambiciosos e amantes de grandes conquistas? Que razões motivaram a que, no lugar da ousadia, se instalasse o medo e a falta de ideia de futuro? Por que razão nos refugiamos tanto no politicamente correto ao ponto de sermos esmagados por ele? O que podemos fazer para recuperar o espírito empreendedor e reescrever a nossa história?

Do ponto de vista prático e numa perspectiva mais empresarial, podemos focar-nos nas diferenças ao nível do empreendedorismo entre Portugal e os EUA.

É no empreendedorismo que os americanos são habitualmente a referência, pois é neste país que sur-gem os grandes casos de sucesso global que conhecemos no mercado. Se existem bons cérebros em ambos os países, quais são as razões que ditam a diferença? A resposta mais fácil é dizer que a diferença se deve à dimensão do mercado. Acontece que, num mundo global, essa explicação perdeu parte do sentido. Na minha opinião, existem três grandes razões para este abismo.

A primeira está na forma como se investe nos empreendedores. A aversão ao risco é maior em Portugal. Raramente vemos “Venture capitalists” a investirem milhões de euros em empresas que ainda não lançaram qualquer produto no mercado.

A segunda prende-se com a maneira como convivemos com a ambição. Nos EUA, a ambição é um adjetivo positivo que define pessoas determinadas. É o combustível daqueles que vão atrás dos desejos pessoais e profissionais e querem crescer. Em Portugal, a palavra está carregada de conotações negativas, como resultado da confusão que as pessoas fazem com a ganância. Na realidade, a palavra vem do latim “ambi dire”, que significa entre dois caminhos. Isto é, escolher para chegar a um objectivo.

A terceira grande razão prende-se com o medo de falhar. Nos EUA, um indivíduo pode cair e levantar-
-se várias vezes sem que as pessoas o tomem por tolo ou medíocre. Pelo contrário, celebra-se as suas coragem e ousadia. Por cá, na escola, no trabalho e na política, as pessoas valorizam os percursos ilusórios repletos de sucessos; gente que não comete erros, que nunca falha. Nem que, para isso, seja preciso ocultar e iludir.

Um estudo sobre as principais tendências mundiais na área do empreendedorismo, realizado pela multinacional Amway em 24 países, revela que 83% dos portugueses assume que não dá o passo de criar um negócio porque tem medo de falhar, contra a média internacional de 70% e de 40% nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos o falhanço é valorizado socialmente, até mesmo pela banca, e muitas vezes há juros bonificados para os empreendedores.

Reconhece-se que desbravar novos caminhos implica falhar. Todos os empreendedores de sucesso enfrentaram essa realidade em algum momento. Alguns ficaram pelo caminho, outros foram suficientemente resilientes para fazerem a viagem até ao fim.

Precisamos de uma mudança cultural que valorize o empreendedor como o motor da economia. Isso implica alterações profundas ao nível social, económico e do ensino. Criar condições de financiamento vantajosas para os empreendedores, celebrar a sua coragem nos bons e nos maus momentos e reforçar a ligação entre empresas, universidades e jovens empreendedores, juntando pessoas e instituições dos vários cantos do mundo. Não podemos esquecer que somos o resultado do cruzamento de muitas estradas através das quais nos misturámos com outros, transformando-nos progressivamente no que somos.

O resultado deste esforço será um país em que as pessoas tomam a iniciativa, não estando sempre à espera de que seja o Estado a resolver todos os problemas e desafios. Um país focado na conquista dos mercados globais, capaz de viajar através do desconhecido para chegar a outros continentes e outras culturas. Um país que se liberta do estigma de que tudo o que e bom vem de fora e que, em lugar de disso, coloca a interculturalidade (um traço marcante da Expansão Portuguesa que influenciou o nosso património) ao serviço da inovação numa economia global. Um país feito de pessoas que não têm vergonha de conquistar o mundo e que, para isso, estão dispostas a sair da zona de conforto.

Sofia Costa Quintas
Diretora geral da Ask for Alchemy

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