1. Por um momento, olhemos para o umbigo: a guerra na Ucrânia, com a justa apreciação que concitou para o que significam politicamente PCP e BE, dá ainda mais liberdade de governação à maioria absoluta de António Costa e do PS. Neste preciso momento, Portugal não tem um partido de oposição forte, com uma liderança revigorada. Ao PSD sobra caminho.

A extrema-esquerda revelou-se como aquilo que sempre foi: um grupo de fanáticos e de gente mal preparada, incapaz sequer de se adaptar à falência das soluções comunistas.

O muro de Berlim caiu em 1989 mas PCP e BE continuam a ver o mundo numa perspetiva de pertença a seitas tão feroz que nem sequer contempla a independência de pensamento. O avental internacionalista cegou-os de vez. E os ajustes que fizeram, nos últimos dias e a contragosto, em relação à apreciação das decisões da Rússia de Putin e da resposta da União Europeia e do mundo ocidental, são ainda mais reveladores da natureza política de ambas as organizações do que o escandaloso posicionamento inicial.

À realidade política portuguesa pós-geringonça, sobra, pois, o populismo do Chega, a sobrevivência difícil para o CDS e o projeto aguerrido e diferenciado da IL. Nos próximos tempos, mal esteja terminado o processo eleitoral no círculo de fora da Europa, esta realidade será um passeio para António Costa.

2. Se, por um lado, a visão europeísta do país ficará – pelo menos por uns bons anos, felizmente – a salvo de quem gostaria de acabar com a União Europeia, com o euro e com a NATO, dando ao Governo a capacidade para se integrar em pleno na nova visão que a Europa terá de construir, de si e do mundo, no plano interno as coisas serão diferentes.

A fragilidade das diversas oposições é uma má notícia para o acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência que vai fazer chover dinheiro nas zonas demarcadas do Estado. Esta circunstância, mais as decisões comunitárias que venham a flexibilizar as metas para o défice e para a dívida, por via das consequências da guerra económico-financeira inerente às sanções ocidentais à Rússia, dará condições únicas de governação.

Ou seja, Portugal vai ter um governo de autoridade reforçada e uma oposição autodestroçada por vários fatores. Se a primeira circunstância é positiva numa conjuntura internacional difícil (e ainda falta perceber que dimensão terá a guerra), a segunda é péssima.

3. Vem aí um tempo em que a capacidade de Portugal se autorregular como país exigirá ainda mais ao Presidente da República, a todas as instituições e à sociedade civil.

Como se vê na Rússia – e com as devidas proporções, naturalmente –, um país, uma democracia, que não tenha a capacidade de autorregular morre por dentro, entregue aos delírios dos seus poderosos, aos respetivos anseios e voracidade. Os últimos anos, com os diversos processos judiciais que minaram a sociedade nacional, são outro bom aviso para o futuro.

É preciso pensar em tudo isto porque a pandemia e a guerra nos provam hoje, uma vez mais, o que está nos livros de História: o mundo não pode ficar entregue, sem os necessários contrapesos, à natureza humana. É perigoso demais. Estejamos atentos.