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“Posições diferentes”. Guterres e Lavrov discordam em quase tudo, menos nos corredores humanitários

O secretário-geral da ONU insiste na violação da Carta das Nações Unidas na sequência da invasão russa à Ucrânia enquanto o ministro dos Negócios Estrangeiros russo inverte a retórica e acusa os Estados Unidos dessa mesma violação pela política expansionista que têm levado a cabo e pela instrumentalização da Ucrânia. As versões dos dois abaixo.
  • epa09909861 Russian Foreign Minister Sergei Lavrov (R) and UN Secretary-General Antonio Guterres (L) arrive for a joint press conference after their meeting, in Moscow, Russia, 26 April 2022. The UN Secretary-General is on a working visit to Moscow. EPA/MAXIM SHIPENKOV / POOL
26 Abril 2022, 14h01

O secretário-geral das ONU, António Guterres, reuniu-se esta terça-feira em Moscovo com o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergey Lavrov. “Há duas posições diferentes sobre o que está a acontecer na Ucrânia”, resumiu Guterres em conferência de imprensa que transpareceu o que separa as duas partes, que até visões distintas têm sobre a Carta das Nações Unidas.

A versão de Lavrov

Lavrov insiste na retórica da operação militar especial na Ucrânia com o objetivo de “proteger a população civil que está a ser bombardeada há oito anos” e de desnazificar um país que criou legislação para proibir “tudo o que seja russo, desde a língua até aos media e à cultura”, argumentou.

O ministro russo afirma que o país está a prestar apoio humanitário todos todos os dias à população ucraniana e que se tem esforçado para criar corredores humanitários que são constantemente violados pelas forças ucranianas, nomeadamente o batalhão Azov, declaradamente nazi.

Como porta-voz do regime, Lavrov defende que o conflito é resultado das políticas expansionistas dos EUA e da NATO, que tem “como objetivo o fim da Federação Russa” e que tem usado a Ucrânia como arma para esse fim.

A Rússia demonstra gratidão ao secretário-geral da ONU pela iniciativa das conversações. “Respondemos prontamente o que demonstra a importância que damos ao diálogo permanente”, disse Lavrov, que quer usar os encontros como meio “para voltar às origens, à carta da ONU, e com base nela criar esquemas de desenvolvimento multilaterais”.

Neste ponto, acusa a Ucrânia de não estar empenhada nas conversações de paz e de não responder ao acordo apresentado pela Rússia “há dez dias”. “Parece que não estão interessados e que estão a contar com a ajuda daqueles que querem ver a Rússia derrotada”, afirma, acrescentando que o armamento do país não vai ajudar a resolução do conflito.

O ministro russo argumenta ainda aos Aliados se estão a tentar constituir uma alternativa à ONU e ultrapassar a Carta baseada na igualdade soberana dos Estados.  “Os americanos querem transformar o mundo num unipolar para sempre”, acusa, defendendo que o direito de veto no Conselho de Segurança tem de continuar sob pena de “desmoronar a ONU” caso seja extinto.

Ainda sobre a instituição, Lavrov quis destacar que “a votação na Assembleia Geral da ONU não foi consensual” porque “muitos países disseram que foram coagidos a votar a favor, depois de pressões dos Estados Unidos”. O russo aproveitou ainda para acusar a ONU de não se ter insurgido quando a Ucrânia violou os Acordos de Minsk em 2014.

A versão de Guterres

O secretário-geral da ONU, que se anunciou como “mensageiro da paz”, sublinhou que as duas partes têm visões bastante distintas sobre o que está a acontecer na Ucrânia e no seu discurso ficou implícita a discordância em relação ao conteúdo da Carta das Nações Unidas.

“Segundo a Federação Russa, o que está acontecendo é uma operação militar especial com os objetivos que foram anunciados. Segundo a ONU, de acordo com as resoluções aprovadas pela Assembleia Geral, a invasão da Ucrânia pela Rússia é uma violação de sua integridade territorial e contra a Carta das Nações Unidas”, resumiu.

Com base na sua “profunda convicção” de que a guerra deveria terminar o mais rápido possível para benefício geral, mas sobretudo tendo em vista o apaziguamento do conflito no imediato, Guterres disse que a ONU está “pronta para mobilizar plenamente os seus recursos humanos e logísticos” em Mariupol, onde “milhares de civis precisam urgentemente de assistência humanitária” e de evacuação.

O português disse que a sua proposta era para um trabalho coordenado da ONU, do Comité Internacional da Cruz Vermelha e das forças ucranianas e russas, e aproveitou para lamentar o facto de estar em curso, de momento,  uma “batalha violenta” na região de Donbass, na Ucrânia, com “tremenda morte e destruição”. Lavrov mostrou-se disponível para uma concertação com a ONU para estabelecer corredores humanitários.

Sobre as alegações de violações de direitos humanos e de crimes de guerra por parte da Rússia, Guterres defendeu a necessidade de estabelecer investigações independentes para apurar a veracidade dos factos. Ademais, quando confrontado com a versão do ministro russo, o representante das Nações Unidas disse que há uma verdade incontornável: não há tropas ucranianas no território russo, mas há tropas russas na Ucrânia”. Lavrov consentiu.

Antes da reunião, Guterres admitiu ao ministro russo que sabia que “perante a situação complexa na Ucrânia”,  as duas partes tinham interpretações diferentes. “Mas isso não limita a possibilidade de termos um diálogo muito sério sobre a melhor forma de minimizar o sofrimento das pessoas”, bem como de criar condições “para um cessar fogo o mais rapidamente possível e uma uma solução pacífica”, defendeu na altura.

Hoje à tarde o secretário-geral da ONU deve reunir com o presidente Vladimir Putin e na quinta-feira vai a Kiev para se encontrar com o presidente Volodomyr Zelensky.

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