Terminei a primeira parte deste artigo falando de uma noção mais intuitiva de “poupança” – que em Contabilidade Nacional se denomina por Necessidade/Capacidade Líquida de Financiamento –, que ignora os bens reais e se foca apenas na posição financeira líquida, e que aqui será referida como “poupança” financeira.

Um exemplo poderá ser esclarecedor. Imaginemos que o rendimento disponível de uma família ao longo de um ano é de 50 000€, que esta consome 10 000€ e além disso compra uma casa de 100 000€, para a qual pede um empréstimo ao banco nesse mesmo valor. A sua poupança neste ano foi de 40 000€, 50 000€ de rendimento disponível menos os 10 000€ de consumo. Esta foi também a variação do seu património líquido, +100 000€ em activos reais, +40 000€ de activos financeiros e + 100 000€ de passivo, ou seja +40 000€ (100 000€+40 000€ – 100 000€). Olhando só para a sua situação financeira, a “poupança” financeira desta família é bem diferente, 60 000€ negativos (50 000€ – 10 000€ – 100 000€), que corresponde à variação da sua posição financeira líquida (+40 000€ de activos e + 100 000€ de passivos). Repare-se que a poupança desta família, 40 000€, é diferente do seu investimento, 100 000€.

Vejamos o que acontece quando consideramos a economia no seu todo, mais uma vez no caso de uma economia fechada ou a nível global. Qualquer despesa de uma unidade económica é receita de outra (ou outras) unidade económica, aumentando no mesmo montante o seu rendimento disponível. Por exemplo, quando consumimos, parte desse montante aumentará o rendimento disponível da empresa que nos vende esse produto e parte aumentará o rendimento disponível do governo, através do pagamento de impostos. Da mesma forma, quando reduzimos as nossas despesas, estamos a reduzir o rendimento de outra(s) unidade económica. Isto significa que ao longo de um determinado período de tempo a posição financeira líquida do conjunto de todas as unidades económicas mantém-se nula. Ou seja, como vimos anteriormente a posição financeira líquida do total da economia é sempre nula.

Mas então o que é a poupança em termos agregados? Como vimos, a poupança é a variação do património líquido, que é obtida pela variação de activos reais e da posição financeira líquida. Sendo nula a variação da posição financeira líquida, resta-nos a variação dos activos reais. Ou seja, o total da economia só pode poupar activos reais. Como também já foi dito, qualquer despesa que contribua para o aumento destes activos reais, é investimento. Portanto, a poupança é igual ao investimento porque no fundo são a mesma coisa.

Isto aplica-se a uma economia fechada. Vejamos agora o que se passa no caso de uma economia aberta, em que a poupança pode ser diferente do investimento. Relembrando, a poupança é o rendimento disponível menos o consumo (S=RD-C). A diferença entre poupança e investimento (S-I) é portanto o rendimento disponível menos o consumo e o investimento (S-I=RD-C-I). Isto é simplesmente o rendimento disponível menos todas as despesas efectuadas, ou seja a “poupança” financeira, a variação da posição financeira líquida. Portanto S-I é simplesmente o que poupamos, não contando com os activos reais. A equação S-I=saldo da balança corrente, apenas nos diz que a diferença entre o rendimento do país e o que este gasta é igual ao seu saldo com o exterior. É no fundo uma tautologia e não mais do que isso. Não nos diz nada sobre o financiamento do investimento. O que tem de ser financiado é o défice externo, não o investimento.

Um exemplo simplista e extremo poderá ajudar a entender este aspecto e como um apelo à poupança é a solução errada. Imaginemos um país que num determinado ano não exportou e só produziu bens de consumo no valor de 100€. Além disso importou 50€ em bens de investimento. Portanto, este país como um todo consumiu 100€ de bens produzidos internamente e investiu 50€ em bens produzidos no exterior, ou seja, um PIB nesse ano de 100€ (100€ de consumo + 50€ de investimento -50€ de importações). O seu rendimento nesse ano foi então de 100€, o consumo 100€ e portanto a sua poupança foi nula (S=RD-C). Tendo investido 50€, a sua poupança menos esse investimento dá -50€, que é precisamente o seu saldo com o exterior (S-I=-50€).

Segundo a leitura convencional e superficial desta equação, o problema seria a falta de poupança para financiar o investimento, o que obrigou a um endividamento externo. Imaginemos agora que as famílias desse país seguiam os conselhos dos apologistas da poupança e decidiam tentar aumentar a sua taxa de poupança, consumindo no ano seguinte apenas 80€ em vez dos anteriores 100€ e que as empresas ainda mantinham o nível de investimento do ano anterior. Neste ano, o consumo do país seria de 80€, em bens produzidos internamente e o investimento 50€, em bens produzidos no exterior o que dá um PIB de 80€… (80€+50€-50€). E o problema do endividamento externo?

O rendimento do país passaria a ser 80€, menos os 80€ em bens de consumo daria uma poupança nula uma vez mais. Mantendo-se o investimento de 50€, teríamos que S-I=-50€, ou seja o problema manter-se-ia… Claro que no ano seguinte, face a uma diminuição da procura pelos seus produtos, as empresas reduziriam o seu investimento o que reduziria na mesma medida o défice externo. Mas repare-se que essa eventual diminuição não tem nada a ver com a necessidade de poupar para financiar o investimento. O mecanismo que leva ao equilíbrio das contas externas através da poupança é o da contracção económica, da diminuição do rendimento do país. Isto porque um aumento da poupança de um sector, como por exemplo das famílias, significa uma redução do rendimento de outro sector, como por exemplo das empresas, a não ser que esse aumento da poupança seja exclusivamente alcançado através da redução do consumo de produtos importados.

É verdade que, no caso de Portugal, o investimento tem um conteúdo importado elevado e que um défice externo é algo a evitar. Perante isto, e olhando superficialmente para a equação que nos diz que S-I=saldo da balança corrente, pode parecer que é uma taxa de poupança reduzida a fonte do problema e o que causa o endividamento externo. Este é, na minha opinião, o diagnóstico errado. Diminua-se o consumo de produtos importados, invista-se na produção de bens que concorram com os que importamos, continue-se a apostar nas exportações e as tais poupanças “aparecerão”.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.