Em 1989, Miguel Cadilhe, o então ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva, lançou o “Livrinho da Poupança” com o intuito de ajudar a criar hábitos de poupança junto dos portugueses e combater a escalada do consumo privado, que caminhava para níveis que a política de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI) havia derrubado no início da década com um programa de intervenção externa no nosso país. Apesar dos meus pouco menos de dez anos à época, lembro-me bem da frase “temos de apertar o cinto”, dita e repetida vezes sem conta entre todos nós. Passaram quase 30 anos e Portugal não aprendeu com os erros do passado.

Assim como na economia global, a economia familiar está muito – e cada vez mais – dependente de quem empresta o dinheiro e gere o nosso endividamento, ou seja, os bancos. Quanto mais as famílias gastam, menos sobra para a poupança e para o investimento. Atualmente, a taxa de poupança das famílias bateu um novo mínimo histórico. Em 1985 era de 24%, em 2011 (em pleno programa de assistência financeira) 9%, e no segundo trimestre deste ano concentrava-se nos 4,4% do rendimento disponível das famílias, metade do verificado nos tempos de crise. Comparando com dados da zona euro, o cenário é ainda pior: a média europeia foi de 13% em 2017, quase três vezes mais do que em Portugal.

Este declínio da poupança dos portugueses é um sinal claro de que estamos a destinar uma parcela maior dos nossos rendimentos ao consumo. E com recurso ao crédito o que ainda é mais preocupante, já que hipotecamos rendimentos futuros. Segundo a DECO, o número de famílias endividadas que pedem ajuda disparou exponencialmente nos últimos meses. Só entre janeiro e outubro deste ano foram 26.180, mais 100 do que em igual período de 2017. Por falta de poupança e maior endividamento com o consumo, o peso médio dos encargos com créditos no orçamento familiar aumentou para 72%, levando ao incumprimento sobretudo com a habitação.

Por todas estas razões, urge recuperar a mensagem de poupança da década de 80, criando um plano nacional de incentivo que restabeleça a cultura da poupança familiar, seja no formato de ‘livrinho’, seja num mais ajustado aos novos tempos. Claro que com uma taxa de imposto de 28% sobre os instrumentos de poupança não será fácil. A solução terá de passar por uma descida do IRS sobre os rendimentos da poupança e pela criação de incentivos, como os existentes na Bélgica onde a maioria das famílias não paga imposto sobre os juros das contas de poupança (estão isentas até aos 960 euros por ano e por pessoa).

Seria igualmente necessário a implementação de um pacto entre todas as forças políticas, especialmente entre a maioria, para garantir um compromisso de estabilidade das políticas de poupança, onde se incluiria a tributação. E ao Governo competiria, sem aumentar o endividamento público, recorrer mais a emissões de dívida pública interna (em detrimento do recurso aos mercados internacionais), dirigindo-os à pequena e média poupança, dispersando, mas com efetivos melhores juros reais e incentivos com prémios de fidelidade à manutenção dos mesmos. Por fim, faria todo o sentido lançar uma gigantesca campanha junto da população em prol da poupança, porque sem ela não há investimento, só dívida.

Infelizmente, o Orçamento do Estado para o próximo ano não reflete qualquer preocupação do Governo nesta matéria. As políticas de esquerda não incentivam a poupança, mas poderiam, pelo menos, ajudar-nos a precaver o amanhã e a olhar o futuro com confiança, o que não está a acontecer já que três em cada quatro portugueses estão convencidos atualmente que terão de enfrentar a velhice sem rendimentos capazes de assegurar uma vida digna e com conforto. A poupança atingiu um nível dramático, mas não irreversível. O que sobra em soluções para combater este problema falta em coragem para assumi-lo.