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Preços de transferência com novas regras

Em 2021, foram alteradas substancialmente as regras de preços de transferências em Portugal que acompanha as alterações já introduzidas ao Código do IRC, no que diz respeito, nomeadamente, ao âmbito de aplicação do princípio de plena concorrência e à adoção do método mais apropriado na determinação dos preços de transferência. E, por outro lado, acolhe os mais recentes desenvolvimentos resultantes dos trabalhos da OCDE.
31 Março 2023, 09h00

Em 2021, foram alteradas substancialmente as regras de preços de transferências em Portugal que acompanha as alterações já introduzidas ao Código do IRC, no que diz respeito, nomeadamente, ao âmbito de aplicação do princípio de plena concorrência e à adoção do método mais apropriado na determinação dos preços de transferência. E, por outro lado, acolhe os mais recentes desenvolvimentos resultantes dos trabalhos da OCDE.

Entre as alterações introduzidas destaca-se o aumento dos limites que dispensam a empresa do processo de documentação, que passam a atender a dois critérios fundamentais: o montante anual de rendimentos e do montante das operações vinculadas do sujeito passivo (de modo a se determinar sobre quais as operações se deve realizar uma análise económica).
Esta revisão procede ainda a uma reestruturação da organização do processo de documentação, com a previsão expressa de uma dupla estrutura traduzida na preparação e manutenção de um dossier principal (Master File) e um dossier específico (Local File). No que toca ao Master File, Pedro Simões Pereira director da EY, tax services, destaca que “é disruptivo no que toca ao seu conteúdo”.

Este responsável lembra que o sossier específico visa assegurar que os contribuintes cumprem o seu papel de compliance e, a este título, reportem e analisem as práticas e políticas em matéria de transações intragrupo com o novo modelo de documentação a prever a identificação dos principais concorrentes a nível local e dos responsáveis pelas áreas de gestão e seu domicílio profissional. Já quanto aos Acordos Prévios de Preços de Transferência (APPT), Pedro Simões Pereira frisa que “é um instrumento crucial na minimização de potenciais situações de litigância”.

Paulo Mendonça , partner da EY diz ainda que “os modelos de preços de transferência são essencialmente utilizados para demonstrar às administrações fiscais que os preços e condições estipulados em transações com partes relacionadas estão alinhados com as condições normais de plena concorrência”. E alerta que embora já tenham sido clarificadas algumas dúvidas sobre a aplicação prática da DAC 6, “ainda subsistem áreas em que não existe um total consenso quanto ao âmbito dessa mesma aplicação”.

Pedro Simões Pereira
Director EY, Tax Services
O que mudou de facto na matéria de preços de transferência a partir de 2021? Em linha com as práticas internacionais, concretamente no âmbito do projeto BEPS da OCDE, o que determina a nova regulamentação em relação ao dossier de preços de transferência, nomeadamente quanto ao dossier principal (Master File) e ao dossier específico (Local File)?

A nova regulamentação veio, em primeiro lugar, redimensionar o perímetro de empresas sujeitas à preparação da documentação de preços de transferência por via da atualização do volume de rendimentos para 10.000.000 euros (por comparação aos anteriores 3.000.000 euros). De forma complementar, e à semelhança de outras práticas e jurisdições internacionais, foram introduzidos dois critérios de natureza quantitativa, enquanto requisito de elegibilidade documental, ao nível das transações intragrupo.

Os sujeitos passivos que observam estas três condições essenciais estarão, assim, sujeitos à preparação da documentação standard, que inclui o Dossier Principal e o Específico. No que se refere ao Dossier Principal, não obstante não ser, no essencial, uma novidade para os Grupos Multinacionais (uma vez que o mesmo emana da Ação 13 do BEPS, com efeitos a partir de 2016), o seu normativo local é mais compreensivo que o da OCDE e é, a este título, disruptivo no que toca ao seu conteúdo, determinando o reporte dos seguintes elementos:

• Resultado líquido apurado em cada um dos últimos três períodos e o montante de imposto sobre o rendimento pago; e,
• Resumo do montante das operações vinculadas, por natureza e contraparte, referentes ao período de tributação e aos dois períodos anteriores.

Por seu turno, e na observância do objetivo do Dossier Específico, o qual visa assegurar que os contribuintes cumprem o seu papel de compliance e, a este título, reportem e analisem as práticas e políticas em matéria de transações intragrupo, importa referir que, em concreto, o novo modelo de documentação prevê a identificação dos principais concorrentes a nível local e dos responsáveis pelas áreas de gestão e seu domicílio profissional.

Os Acordos Prévios de Preços de Transferência (APPT) e os Procedimentos Amigáveis (Mutual Agreement Procedure – MAP) como instrumentos de segurança jurídica. Qual é a importância da celebração de um APPT ao nível da litigância entre a Administração Tributária e o sujeito passivo? E ao nível dos riscos de dupla tributação?
Os APPT e os MAP, que se consubstanciam em instrumentos ao dispor dos contribuintes, ainda que em dimensões de atuação distintas, são elementos de extrema importância no normativo fiscal nacional. Os APPT promovem uma negociação direta, e em canal aberto, com a Autoridade Tributária relativamente à política(s) de preços de transferência para uma / vária(s) transação(es) e/ou modelos de negócio, assegurando uma estabilidade na respetiva aplicabilidade operacional pelo período em que tal APPT esteja ativo. A este título, importa também realçar a segurança e clareza que são atribuídas em sede de APPT no que toca aos mecanismos de ajustamentos de preços de transferência. Na legislação mais recente, os APPT passaram a contemplar a possibilidade do seu âmbito incluir períodos de tributação relativamente aos quais a declaração Modelo 22 já tenha entregue, porquanto legitimando a aplicabilidade de práticas e políticas de preços de transferência para períodos já ocorridos.

Como tal, o APPT, ao promover uma discussão abrangente entre sujeito passivo e Autoridade Tributária é um instrumento crucial na minimização de potenciais situações de litigância.
Os MAP, que podem ser solicitados à autoridade competente portuguesa ao abrigo de uma Convenção bilateral para evitar a Dupla Tributação, são instrumentos relativos à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas. Ambos os instrumentos são determinantes na antecipação e resolução de ocorrências de litigância; os APPT bilaterais/multilaterais, enquanto garante na validação das práticas e políticas de preços de transferência, mapeando com clareza quais as rentabilidade expectáveis, por contraparte, em cada jurisdição e, os MAP, enquanto instrumentos que visam eliminar situações de dupla tributação em que ocorram ou possam vir a ocorrer ajustamentos de preços de transferência entre empresas associadas residentes em Estados diferentes.

Paulo Mendonça
Partner EY, Tax Services
É possível utilizar o preço de transferência baseado no mercado para avaliar o posicionamento da empresa em relação aos seus concorrentes e otimizar o modelo de negócio? Que tipo de elementos passou a incluir a documentação de preços de transferência, a partir do período de tributação de 2021?

Os modelos de preços de transferência são essencialmente utilizados para demonstrar às administrações fiscais que os preços e condições estipulados em transações com partes relacionadas estão alinhados com as condições normais de plena concorrência. Mas permitem também, através da análise de indicadores de rentabilidade de empresas que operam no mesmo sector e com perfis funcionais semelhantes, equacionar melhorias no funcionamento da própria empresa.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece que uma diretiva vincula os países aos quais se destina quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Ao contrário do que acontece com o regulamento, que é imediatamente aplicável na ordem jurídica interna dos países da UE após a sua entrada em vigor, a diretiva não é diretamente aplicável nos países da UE. Para que uma diretiva produza efeitos a nível nacional, os países da UE têm de adotar uma lei com vista à sua transposição. Os países dispõem de margem de manobra neste processo de transposição. Esta margem permite-lhes ter em conta as especificidades nacionais.

Deveriam ter sido emitidas guidelines centrais e não deixar ao arbítrio de cada Estado-membro a respetiva interpretação da DAC 6? Existem ainda incertezas associadas ao cumprimento desta nova obrigação declarativa (DAC 6) a ser cumprida por parte dos intermediários e contribuintes?
Embora já tenham sido clarificadas algumas dúvidas sobre a aplicação prática da DAC 6, ainda subsistem áreas em que não existe um total consenso quanto ao âmbito dessa mesma aplicação. O facto de ser uma lei geral e abstrata, como aliás deve ser sempre, permite diferentes interpretações que, em última instância, terão que ser sancionadas pelos tribunais.

Com a DAC 6, considera que os intermediários e contribuintes tornam-se agentes de investigação da sua própria culpabilidade, com uma violação daquilo que seria o seu direito à não autoincriminação?

Já existia antes da DAC6 um diploma com um alcance semelhante em Portugal, e o tema nunca foi colocado nesses termos. O maior problema neste momento parece ter a ver com o facto de quando os intermediários são advogados, o reporte obrigatório à AT das operações poder violar o dever de sigilo profissional, um direito constitucional que assiste a esta classe profissional. Já existem decisões dos tribunais na UE que, pelo menos em parte, limitam as obrigações de reporte dos advogados. Em Portugal, os advogados beneficiam, por isso mesmo, de um regime especial em que a obrigação de reporte passa para os clientes (exceto se estes, notificados para o efeito, não o fizerem). Mas este é um tema em evolução permanente.

Que situações específicas relacionadas com os preços de transferência estão abrangidas no dever de comunicação dos mecanismos transfronteiriços (ou internos) na sequência da transposição da DAC6?
Em concreto, estarão abrangidas as situações em que um mecanismo envolva a utilização de regimes de salvaguarda ou proteção unilateralmente assumidos numa jurisdição, mas não previstos no consenso internacional consagrado nas normas da OCDE sobre preços de transferência. Será, por exemplo, da existência de um regime de não tributação parcial de juros debitados a outros países (“interest rate safe harbour”).

Estarão também abrangidas as situações ou mecanismos que envolvem a transferência de intangíveis difíceis de avaliar. Os casos mais comuns são as carteiras de clientes e as marcas.
Finalmente, os mecanismos que envolvem uma transferência fronteiriça, no seio do grupo de empresas associadas, de funções e ou riscos e ou ativos, se os resultados anuais projetados antes de juros e impostos (EBIT), durante o período de três anos seguinte à transferência, do cedente ou cedentes, forem inferiores a 50% dos EBIT anuais projetados desse ou desses cedentes caso a transferência não tivesse sido efetuada. Poderão cair neste grupo as chamadas reestruturações transfronteiriças.

 

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