A terminar o ano, União Europeia e Reino Unido chegaram in extremis a um acordo para regular as suas relações comerciais no pós-Brexit. Em ambos os lados houve suspiros de alívio, pois foi garantido o princípio de “zero tarifas e zero quotas” para a generalidade dos bens. Ainda assim, há vários fatores que podem perturbar a futura relação comercial entre as duas partes, com indesejáveis consequências económicas. Importa lembrar que o Reino Unido foi o destino de 4% das exportações da UE em 2019 e a origem de 6% das suas importações.

O acordo de comercial livre com o Reino Unido foi, sem dúvida, uma boa notícia para as empresas portuguesas, mas deixa muitas incertezas no ar.  Desde logo porque, passando a haver controlo alfandegário na troca de bens, os procedimentos burocráticos e os custos de contexto (taxas por serviços aduaneiros, por exemplo) vão necessariamente aumentar e é expectável uma maior morosidade na entrada das mercadorias no Reino Unido. São também esperadas barreiras não tarifárias, designadamente especificações técnicas que os produtos da UE têm de observar em conformidade com a legislação do Reino Unido.

Por outro lado, o level playing field – a garantia de que os padrões de qualidade, os direitos laborais, as regras ambientais e as ajudas de Estado continuam a ser idênticos nos dois lados do canal da Mancha – pode ser uma fonte de conflitos no futuro. Se estas condições de concorrência não forem respeitadas, está prevista a criação de um mecanismo para aplicação de sanções e tarifas à contraparte.

Neste contexto cheio de dúvidas e questões em aberto, Portugal deve procurar salvaguardar a sua especial relação com o Reino Unido, que remonta a 1373 – data do Tratado Anglo-Português, a mais antiga aliança internacional em vigor. A presidência portuguesa do Conselho da UE pode, inclusivamente, ser uma oportunidade para o nosso país liderar um processo de aprofundamento do acordo comercial agora alcançado, no sentido de reforçar a cooperação económica com o Reino Unido.

O Reino Unido é o quarto maior mercado das exportações portuguesas e o primeiro dos nossos serviços. Cerca de 6% das nossas exportações em 2019 tiveram como destino o Reino Unido, sendo que os produtos comercializados para este mercado não provêm apenas dos sectores tradicionais. Mais de 40% das exportações portuguesas para o Reino Unido são de produtos de intensidade tecnológica alta e média-alta e startups inovadoras como a Farfetch, a Uniplaces, a Feedzai, a Talkdesk ou a OutSystems, por exemplo, têm escritórios em Londres e desenvolvem uma parte importante das suas atividades a partir da capital britânica.

Considerando este peso económico, importa criar um contexto que mitigue o impacto negativo que, pelo menos nesta fase de transição, o Brexit seguramente terá em sectores e empresas portugueses. Em abril de 2019, o Governo criou uma linha de apoio de 50 milhões de euros destinada às empresas com exposição ao Brexit, mas só foram aprovadas sete candidaturas (quatro milhões de euros). Apesar desta linha ter chegado a poucas empresas, parece-me importante avançar com novas medidas de capitalização e garantias estatais aos seguros de crédito para exportação, de forma a minimizar os entraves à troca de bens e serviços neste período inicial de implementação do acordo.

O Reino Unido tem uma importância estratégica para a economia portuguesa e, neste sentido, há que preservar a relação especial entre os dois países e promover um novo quadro de cooperação no âmbito da UE.