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Presidente da CAP: “Temos que pensar na questão das barragens que seja possível construir”

Energias renováveis; gestão da água; gestão do solo; florestas; desenvolvimento industrial, agroindustrial e agroflorestal; promoção comercial e centros de I&D – Investigação & Desenvolvimento são as sete áreas prioritárias focadas pelo documento estratégico da CAP, ‘Ambição Agro 2020-30’, que foi apresentado hoje, dia 24 de setembro, no Centro Cultural de Belém.
24 Setembro 2020, 17h50

A CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal está a apresentar hoje, dia 24 de setembro, no Centro Cultural de Belém, o documento estratégico ‘Ambição Agro 2020-30’, que pretende ser um contributo da instituição e do setor nacional da agricultura para o plano de recuperação económica do país que o Governo encomendou ao gestor António Costa Silva.

Numa cerimónia que conta com as intervenções do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Primeiro-ministro, António Costa, e com as presenças dos ministros da Agricultura, do Planeamento e da Coesão Territorial, Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, sublinhou que esta é a contribuição para a definição desse plano e para o aproveitamento integral dos fundos comunitários que o país deverá receber a partir de 2021, avaliado em quase 60 mil milhões de euros.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Eduardo Oliveira e Sousa explica os objetivos do documento ‘Ambição Agro 2020-30’, as áreas analisadas e os contributos dos especialistas nacionais convidados em cada área específica.

Como surgiu a ideia deste documento estratégico da CAP como contributo do setor da agricultura para o plano de recuperação económica que está a ser desenhado pelo gestor António Costa Silva?
Quando começámos a ouvir falar dos projetos da União Europeia sobre o Green Deal (Pacto Ecológico Europeu) ou da estratégia de “The Farm to the Fork” (Do Prado ao Prato), decidimos dar o nosso contributo, a nossa visão sobre o que poderá ser a recuperação económica do setor da agricultura. Já com esta pandemia em curso, a agricultura mostrou uma vez mais que é um setor resiliente. Nos primeiros seis meses deste ano, ainda conseguimos subir as exportações em 2% face ao período homólogo. Ou seja, a agricultura nacional não só não parou com a Covid-19, como até conseguiu crescer nestes tempos de dificuldade. Isto, sem falar do setor da floresta, que é responsável por 20% das exportações de bens transacionáveis do país. O setor da agricultura, da floresta está bem alicerçado no desenvolvimento do país para poder encetar a recuperação económica logo a seguir.

Mas, na prática, qual é o contributo da CAP com este documento?
Neste documento, traçámos caminhos horizontais que se revejam no desenvolvimento. O professor Costa Silva elaborou aquele plano e claro que nós promovemos um contacto com a sua equipa, mas este nosso documento não tem uma ligação direta com esse plano. É óbvio que haverá pontos de contacto entre os dois documentos, mas é sinal de uma sintonia, não de uma coincidência. O documento elaborado pela CAP é o resultado do facto de nos termos apercebido de um conjunto de temas que decidimos elencar e que podem tomar corpo, assim os decisores políticos o entendam.

Quais são as medidas preconizadas pela CAP?
Quero deixar claro que este documento não é um plano, nem é uma estratégia. Se o Governo se revir e aceitar estas propostas, que não são definitivas, nem restritivas, há ainda muito a ser construído este setor. Penso que com este documento ajudámos o Governo e vamos de encontro às palavras do próprio Primeiro-ministro, que solicitou a contribuição da sociedade civil e das empresas para este esforço de recuperação económica. Não é um documento reivindicativo, pretende apenas fomentar mais desenvolvimento, mais atenção para captar mais dinheiro para este setor de atividade, para concretizar este tipo de medidas.
Não se dirige a um tipo de agricultura, não privilegia um tipo de agricultura ou outro, é para todos os agricultores, para todos os modelos de agricultura. É transversal a todas as atividades que envolvem a agricultura, a todas as regiões. Não estamos a dar preferências nem a fazer escolhas, estamos a fazer um caminho de modernidade. E não é um documento elaborado no ar. Em todos os capítulos do documento, em todas as áreas que abordámos temos uma opção, uma solução de financiamento para as medidas preconizadas.

Que áreas foram abordadas por este documento estratégico da CAP?
Consideramos que a vertente das energias renováveis é fundamental para o futuro do setor da agricultura devido à necessidade de sustentabilidade ambiental. Defendemos a necessidade de desenvolver a energia fotovoltaica como fonte de energia para as explorações agrícolas. Sugerimos a criação de uma conta corrente em que os produtores agrícolas poderão dispor de uma espécie de bolsa, de uma reserva de produção de energia renovável. E quero sublinhar que este documento não é construído no ar. Há sempre uma porta de saída que indicamos no que respeita ao financiamento das medidas.
Neste caso, sugerimos que a fonte de financiamento poderão ser os fundos europeus de transição energética. No capítulo da tecnologia e da digitalização, colocamos um desafio ao Governo porque pensamos que precisamos de estender a rede de banda larga a todo o território. Não é possível captar jovens ou serviços públicos para o interior do país enquanto não tivermos todo o território nacional coberto por uma rede de banda larga de qualidade. Não é possível conseguir esse objetivo com quebras na rede ou inexistência de cobertura em certos locais, sem uma resiliência deste tipo de serviço. Aqui, a possível fonte de financiamento são os fundos da política de coesão para as infraestruturas de desenvolvimento da tecnologia, no âmbito do esforço da transição digital.

Quais são as outras áreas analisadas por este documento da CAP?
Temos um outro capítulo dedicado à gestão da água, porque o setor da agricultura e o país estão fortemente ameaçados pela desertificação a partir do norte de África. É um problema grave, o clima está diferente e mais violento, e esta nova realidade exige uma gestão muito criteriosa da água, exige que consigamos ter mais área regada com menos água. Neste tema, temos de enfrentar uma dificuldade acrescida, que é a luta com os ambientalistas, que defendem questões doutrinárias sobre este tema. Uma terra sem água é como um corpo sem sangue, não sobrevive. Essa questão da escassez de água está a colocar-se de forma mais acentuada no Algarve e no Alentejo.

Como é que se resolve esta questão da escassez crescente de água?
Temos que pensar na questão das barragens que seja possível construir para mitigar este problema. Temos que puxar pela coesão territorial. Temos de equacionar a possibilidade de transferência de águas de uma região para outra, como já está a acontecer hoje em dia no Alentejo, para combater a desertificação.

Foi avaliada a questão da dessalinização das águas?
A questão da dessalinização também teve e tem de ser colocada. É um processo que é muito caro, mas que está a começar a ser menos caro. Está a começar a ser viável, não para rega de campos agrícolas, mas que poderá ser utilizada na rega de jardins urbanos, de campos de golfe, de estufas, na limpeza de centros urbanos. Mas não temos de equacionar apenas a água dessalinizada vinda do mar, mas também as águas tratadas das ETAR, recicladas, através de tratamentos muito elaborados, que já têm qualidade para ser utilizada na produção de alimentos.

Que outras áreas são abordadas neste documento da CAP?
Outra questão que abordamos neste documento, e que é igualmente muito sensível do ponto de vista ambiental, essencial para o combate à desertificação, é a gestão do solo. Em relação aos temas da gestão da água e da gestão do solo, o mecanismo financiador poderá ser o próprio Fundo de Recuperação e Resiliência.
Outra área analisada neste estudo é a promoção comercial, a valorização interna e externa dos nossos produtos. O objetivo é tentar vender melhor os produtos portugueses, reforçar a presença em feiras internacionais, um processo caro, muito técnico, que impede muitos produtores, muitos agricultores, de promoverem os seus produtos nos mercados externos. A solução para este problema é que os produtores se juntem para poderem participar em conjunto nessas feiras e eventos internacionais de promoção e, assim, ficar com uma parte da mais valia que se consegue com esse tipo de iniciativas. Neste particular, o reforço da digitalização é importantíssimo. O financiamento para este tipo de medidas pode ser obtido através das Políticas de Coesão.
Analisamos também a questão das florestas, que tem um nó górdio para resolver, que é a questão dos incêndios, assim como os temas da dimensão da propriedade e da valorização dos recursos endógenos do setor. Também aqui não queremos dizer que temos soluções mágicas. É uma chamada de atenção. Propomos uma solução, que passa por aquecer as casas das pessoas, em aldeias e vilas rurais, o que permitiria valorizar os recursos florestais e elevar a um maior conforto as habitações em Portugal. Nós sabemos que em Portugal ainda se morre de frio. Esta opção solucionava essa questão, além de possibilitar a criação de empresas ou de agrupamentos de empresas de serviços para limpar matas aos respetivos proprietários. Sobre a questão da criação das faixas de combustível, defendemos que os proprietários têm de ser ressarcidos pelo Estado, pela Proteção Civil. Numa visão abrangente, estas medidas podem ser financiadas pelo Fundo de Combate às Alterações Climáticas. A escala de valor terá de ser tocada.
Outra área estudada foi o desenvolvimento industrial, desenvolvimento agroindustrial e desenvolvimento agroflorestal. Existe aqui um apelo aos industriais, ao setor da indústria, para que se junte, numa perspetiva de desenvolvimento que tente reanimar uma indústria que praticamente desapareceu do país. A intermediação sem fabrico próprio e um comércio sem produção retratam uma economia incompleta, que cria vazios de competência e que não retém mão-de-obra qualificada. E aqui concordamos com o professor Costa Silva quando diz que a linha de fronteira com Espanha não é só uma linha de obstáculos, mas pode ser uma linha de oportunidades, para enfrentarmos um crescimento de exportações. E fazemos um apelo para que o setor agroindustrial e agroalimentar se associe à indústria metalomecânica para fomentar o fabrico em Portugal de equipamentos e assim podermos voltar a ter uma indústria própria. Consideramos que estas medidas podem ser financiadas pelo Fundo Europeu Agrícola e de Desenvolvimento Regional.
Outro tema analisado são os Centros de I&D – Investigação & Desenvolvimento, de cariz regional. A academia é cada vez mais importante, se queremos ter a certeza de que estamos a ser sustentáveis no desenvolvimento económico. Por isso, defendemos o reforço dos centros de investigação e pensamos que eles devem ter competências específicas consoante as valências das universidades. No Douro, deve ficar o centro de investigação sobre o vinho, beneficiando do trabalho da Universidade de Trás os Montes, no Alentejo, com a influência do Alqueva, deve ficar o do azeite, o centro de investigação da floresta deve ficar no interior. Tem de haver uma lógica de proximidade ao território, havendo exemplos internacionais dessa prática, como é o caso do cento de investigação do vinho, em Bordéus, ou do azeite espanhol, em Jaen. A fonte financiadora destas medidas pode ser o fundo Horizonte Europa.

Como chegou a CAP às soluções propostas para cada uma destas áreas analisadas?
Queria sublinhar que para a elaboração deste documento, a CAP foi ouvir os maiores especialistas em cada área, das energias às águas. Para dar corpo a esta visão, convidámos especialistas nas diferentes áreas. Perguntámos-lhes: estamos a ver bem ou estamos a ver mal? Tivemos a abertura para tirar todas as dúvidas que pudessem existir e penso que estamos a contribuir para acelerar o processo de recuperação económica. Convidámos o especialista em energia Jorge Gonçalves, o especialista em tecnologias António Câmara, o reitor Fontainhas Fernandes, o especialista em gestão da água professor Nunes Correia. São as contribuições desses especialistas que integram este documento. No final, convidámos um professor especializado em Economia, com carreira na Universidade do Wisconsin e no MIT, no Massachussets, o professor António Sampaio de Mello, uma referência no mundo da ‘corporate finance’, para resumir os ‘high lights’ deste documento.

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