O futuro do Sistema Nacional de Saúde (SNS), que fique muito claro, interessa a todos os portugueses, mesmo aqueles que são beneficiários de um subsistema de saúde complementar, ou que têm um seguro de saúde de coberturas e capitais generosos. Interessa a todos nós porque é um tema de cidadania e de boa aplicação dos nossos impostos, mas também porque, no caso dos grandes riscos assimétricos para os quais as famílias e os subsistemas têm recursos limitados para lhes fazer face, só o Estado lhes pode responder. Estou a pensar, por exemplo, nas pandemias, doenças oncológicas e degenerativas, ou nas doenças crónicas agudas.

Como se depreende, é muito importante que consigamos ver para além da pontual saturação das urgências, ou da substituição das administrações hospitalares.

Verdadeiramente importante é que nos concentremos em resolver os desafios que se colocam no âmbito dos gestores do SNS, dos médicos de família e na articulação dos cuidados primários com cuidados continuados ou sociais. Passo a explicar.

Diversos estudos feitos no âmbito do NHS, no Reino Unido, onde o nosso SNS foi beber a sua inspiração, mostram à saciedade que os gestores hospitalares e dos centros de saúde sofrem de níveis de stresse, de horários, de cargas de trabalho absurdas e de prazos de entrega exíguos, típicos de profissões como os consultores de gestão, ou certas posições no sector das tecnologias de informação. Estes profissionais assumem níveis de responsabilidade, tanto orçamental como de impacto sobre as pessoas, que em nada são inferiores aos de um gestor de topo de uma qualquer organização do sector privado ou social.

Porém, não auferem das remunerações, nem dos instrumentos de gestão, ao dispor dos consultores, dos diretores-gerais ou dos administradores executivos do sector privado. Por isso, cuidar dos gestores intermédios, na linha da frente dos cuidados primários ou emergenciais, deve ser condição primeira de qualquer governante. Urge rever as suas remunerações, a autonomia, as carreiras e os instrumentos de premiação. Não é preciso inovar, numa primeira fase. Basta replicar o que de bom se observou nas PPP da saúde em Portugal e que foram terminadas sem que a sua substituição tenha produzido melhores ou mais eficientes resultados.

Por outro lado, não existe um SNS ou subsistemas de saúde saudáveis sem se resolver o problema da falta de médicos de medicina geral e familiar. Isto dito, estes terão de ter carreiras que lhes possibilitem tempo para investigação, acesso a práticas diferenciadas e inovadoras, horários flexíveis para conciliarem o trabalho com a família, níveis de remuneração que possibilitem medir e estimular a produção e compensar a dedicação. Concursos desertos na especialidade, ou USF de tipo B e C que tardam em se generalizar, são sinais de um problema que se agrava, ano após ano. Precisamos de mais pragmatismo e de menos dogma.

Uma nota final sobre as urgências e as unidades de cuidados intensivos. Todos sabemos que estão cheias de cidadãos idosos, muitos dos quais não têm para onde ir em caso de alta hospitalar. O Estado tem de investir no sector social para que se fortaleça uma rede de cuidados continuados de assistência ou paliativos, e tem também de investir em unidades residenciais e no apoio domiciliar. A integração dos cuidados primários com os cuidados sociais é vital para poupar recursos e dar acrescido bem-estar aos cidadãos. O internamento hospitalar prolongado, não sendo necessário, é a mais cara e mais desumana forma de cuidado social que podemos dispensar aos idosos.

Em suma, as prioridades são muito simples: autonomia acrescida para os gestores, mais médicos de família e integração dos cuidados primários com os cuidados sociais. O resto, perdoem-me a franqueza, é espuma.