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Problema da imigração só se resolve com resposta tripartida

Se a União Europeia não engendrar uma solução para o problema, é a própria União que ficará em causa, concluiu estudo académico de João Estevens.
  • An Afghan migrant carries his daughter, moments after arriving on a dinghy on the island of Lesbos, Greece August 23, 2015. Greece, mired in its worst economic crisis in generations, has been found largely unprepared for a mass influx of refugees, mainly Syrians. Arrivals have exceeded 160,000 this year, three times as high as in 2014. The crisis has exposed massive shortages in Greece’s available facilities, but also striking discord within the European Union on how to handle the humanitarian crisis. REUTERS/Alkis Konstantinidis – RTX1PAOG
9 Dezembro 2018, 16h30

O problema da entrada na Europa de um número crescente de imigrantes e refugiados a partir de 2015 só se resolve se a União Europeia engendrar uma resposta tripartida entre as estratégias comuns, as respostas de cada Estado-membro e a capacidade local – no mais fino da malha social – de dar resposta no terreno.

Esta é uma das conclusões do estudo científico ‘Migration crisis in the EU: developing a framework for analysis of national security and defence strategies’, da autoria de João Estevens, doutorando do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.

Mas para isso, adiantou o autor em entrevista ao Jornal Económico, seria necessário que o alinhamento entre a União Europeia e os Estados-membros fosse efetivo e é precisamente aí que tudo se complica: “a visão da questão é completamente antagónica”, disse.

O estudo concluiu, em primeiro lugar, que “os Estados-membros têm entre eles níveis de segurança muito diferentes, e, portanto, estratégias de segurança nacional em matéria migratória muito heterogéneas (mais relevantes nos países onde a imigração é mais impactante)”.

Em segundo lugar, concluiu-se que “os Estados-membros encaram a imigração em massa rumo às suas fronteiras sobretudo como uma matéria de segurança nacional, ao passo que a União Europeia procura focar-se na vertente humanitária e na dificuldade de gestão de requerentes de asilo”.

Existe, portanto, uma pluralidade de estratégias e prioridades entre os Estados-membros, bem como destes últimos face à União Europeia, em matéria de imigração e segurança – e que inevitavelmente “impede uma resolução mais rápida da crise migratória na Europa”. Genericamente, há uma conflitualidade entre a União Europeia e os Estados-membros, que acontece desde logo porque “a crise migratória dá-se num tempo de crise, que trouxe novos alinhamentos políticos” e “pesou sobretudo sobre a classe média europeia”, diz João Estevens.

A acrescer a isto, sucede que, como recorda o académico, “as questões de segurança são da exclusiva competência dos Estados-membros”, de onde resulta que um problema que é encarado como humanitário pela União Europeia é, contrariamente, observado como um problema de segurança”. A partida daí, só era possível que as respostas divergissem.

O debate institucional nos vários países é reflexo desta relação complexa, mais focado nos riscos para a segurança nacional do que na insegurança de quem é perseguido ou na discriminação de quem já foi acolhido. Contudo, o estudo ressalva também que “a exclusão da questão humanitária das estratégias segurança nacionais pode trazer novos riscos associados a essa exclusão – potencialmente mais sérios e complexos para os países do que a crise migratória.”

Respostas a montante difíceis mas necessárias

Uma parte dos analistas e dos investigadores considera – como por exemplo a ONU – que a solução do problema está a montante das imigrações. Ou seja, se se conseguirem solucionar os problemas que levam à necessidade da fuga (guerras e desespero económico, principalmente), a própria fuga deixa de ter de ser uma opção. Mas isso choca, como parece mais que evidente, com aquilo que os países de um vêm os imigrantes consideram ser a soberania nacional.

Sendo assim, a atuação para encontrar uma solução para o problema tem de “atuar em diferentes níveis: os países de origem, os países de passagem e os países de fixação”, refere João Estevens. É neste quadro que “tem de haver política europeia, política nacional e política regional”. “É impossível resolver a questão só do lado nacional e mesmo só do lado da União Europeia”.

Por um lado, a solução dependerá da estabilidade política no Médio Oriente e Norte de África; e por outro, da evolução política da União Europeia, atualmente a braços, para além da crise migratória, “com a ascensão de forças políticas de extrema-direita e eurocéticas em vários países, muitos deles com forte impacto político (França ou Alemanha) ou na linha da frente da crise migratória (Itália)”.

Para o académico, é preciso insistir nas intervenções nos países de origem, “como fez há pouco tempo a chanceler Angela Merkel quando esteve no Gana”. “Essa consciência é hoje muito clara”, afirma.

De qualquer modo João Estevens considera que “será muito difícil encontrar consensos a 27, será mais fácil encontra-los numa lógica de cluster”, ou seja, regionalmente, por grupos de países – o que permitiria uma espécie de gestão e partilha dos riscos, mas também dos gastos. “Estão a ser dados passos nesse sentido”.

Para o académico, a razão do caminho que o estudo aponta como viável para ser encontrada uma solução comum, é que qualquer decisão unilateral de um Estado-membro, por muito ‘securitarista’ que seja, não servirá sequer para atingir os seus propósitos individuais: está votada ao fracasso. O estudo relaciona a crise migratória europeia com as estratégias de segurança nacional dos Estados-membros e é essa a conclusão a que chega.

João Estevens parece estar (ao menos) moderadamente otimista com os avanços que vai encontrando no seio da União Europeia em relação ao problema. “Avançamos no esforço securitário por um lado, ao mesmo tempo que pedimos solidariedade na realocação trabalhando nos países de passagem e nos países de origem. Estou hoje mais otimista que estava há dois anos.

Mas a União Europeia também não tem muitas hipóteses, no sentido em que, se não lidar de uma forma conjunta com o problema, isso será uma ameaça à própria União Europeia, ou pelo menos ao desenho que existe”. “Uma solução para a imigração é uma questão de sobrevivência para a União Europeia”, concluiu.

Quanto a perceber-se se um eventual exército da União Europeia poderá vir a ser uma parte da solução ou um novo problema, é assunto que ainda é cedo para inferir: há muitas dúvidas sobre o que poderá ser esse exército e mesmo, como observou João Estevens, sobre se ele é de facto viável.

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