O eterno caso Selminho, um diferendo sobre um terreno que se arrasta por duas décadas na justiça e que se transformou numa batalha político-partidária, é um caso que convoca a nossa perplexidade.

Depois de o Ministério Público, em 2017, considerar não existir qualquer Sofia  no comportamento de Rui Moreira, independente e presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), tendo o processo sido arquivado pela Justiça, eis que o caso Selminho regressa numa reviravolta inesperada e acaba numa acusação pelo Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto ao presidente de ter cometido, “na autoria moral e na forma consumada”, um crime de prevaricação e pedido de perda de mandato.

A dez meses das eleições autárquicas é imprescindível que esta decisão seja escrutinada até às últimas consequências, sob pena de, não existindo novos factos desde 2017 que a sustentem, ser vista como uma sinistra jogada política em vez de uma mera decisão judicial. A extensão da contenda e o sistemático aproveitamento político ao longo dos anos é suscetível de provocar consequências políticas para os acusadores.

Mas vamos à nova acusação dos procuradores Nuno Serdoura e Ana Margarida Santos. A acusação sustenta que Rui Moreira, ciente do conflito entre a Selminho e a CMP, assinou uma procuração com a data de 28 de novembro de 2013 para que o advogado nomeado pelo seu antecessor continuasse a representar a autarquia, um ato que para o Ministério Público significa um “total desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais”. A emissão dessa procuração, sustentam os procuradores, “é contrária aos deveres de isenção e imparcialidade” a que o presidente da CMP estava obrigado.

Mas, contrário aos deveres de isenção e imparcialidade não teria sido a ação contrária, se o presidente tivesse passado procuração a novos advogados? Suspeito seria que Rui Moreira retirasse a confiança aos advogados nomeados pelo anterior executivo, liderado por Rui Rio, e tivesse passado procuração a novos advogados da sua confiança com vista a beneficiar a empresa da sua família.

Foi no mandato de Rui Moreira que decorreu a resolução do caso Selminho, afastando-se de qualquer interferência e recusando-se, inclusivamente, a participar em qualquer votação do Executivo Camarário que viesse a ter relação com o mesmo. Ambas as posições atestam a atitude do presidente da CMP, já que a decisão foi bastante prejudicial para o próprio e a sua família, detentores da Selminho, em termos económico-financeiros.

Qualquer mais-valia que a empresa pudesse retirar do usufruto do referido terreno é uma sombra perante o arremesso do atual presidente do cargo e a usurpação da segunda câmara do país.

Num país com uma justiça célebre pela morosidade em processos de corrupção famosos, o portuense caso Selminho é um caso sem precedentes – um processo de suposta corrupção em que as provas atestam a idoneidade do arguido, não a sua culpabilidade.