A procura externa líquida voltou a contribuir negativamente para o crescimento da economia em 2014, depois de durante os anos do resgate ter sido positiva, deixando à procura interna o papel de único motor de crescimento no ano passado.
As contas nacionais anuais divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que a economia portuguesa cresceu 0,9% em 2014, mas que este desempenho está a ser feito à custa da componente interna da atividade e não através das exportações descontadas das importações.
Os números indicam que só nos três anos em que Portugal esteve sob programa de resgate financeiro é que a procura externa líquida apresentou um contributo positivo para a evolução do Produto Interno Bruto (PIB).
Depois de em 2010, a diferença entre as exportações e as importações ter contribuído negativamente (-0,2 pontos) para a variação do PIB, teve entre 2011 e 2013 um contributo positivo embora decrescente (de 4,6 pontos em 2011, de 3,6 pontos no ano seguinte e de um ponto em 2013).
No ano passado, o ano em que o país concluiu o programa de assistência, as exportações cresceram a um ritmo menor (3,4%) do que as importações (6,2%), tendo tido um contributo negativo de 1,1 pontos para a atividade económica.
Olhando para a procura interna (composta por consumo, investimento e gastos públicos), verifica-se o movimento oposto: durante os três anos do resgate, esta componente teve um contributo negativo (de 6,2 pontos em 2011, 6,9 pontos em 2012 e de 2,4 pontos em 2013), regressando em 2014 a ter um contributo positivo de dois pontos.
Isto porque as famílias gastaram mais (consumo privado passou dos -1,4% em 2013 para os 2,1% em 2014), o Estado está a reduzir as despesas a um ritmo menor (o consumo público passou de uma queda de 1,9% em 2013 para uma queda de 0,7% no ano passado) e o investimento aumentou 5,2% em 2014, depois de ter contraído 6,5% no ano anterior.
Questionado sobre se há o risco de Portugal voltar a ter contas externas negativas, o economista da Informação de Mercados Financeiros Filipe Garcia reconheceu que sim, acrescentando que “daí [advém] a necessidade de as exportações crescerem”, mas desdramatizou esta questão.
Filipe Garcia destacou que “as importações estão mais altas, mas mais ou menos estáveis porque parte das importações passaram a ter como destino não a procura interna mas as exportações” e isso “é muito mais sustentável”.
O economista explicou que, tendo em conta a dependência externa de Portugal (nomeadamente a nível energético) e a componente importada do consumo, a economia “vai ter sempre tendência para que, quando sobe a procura interna, as importações acabem por subir também”, até porque “houve uma série de compras ao exterior que foram adiadas” nos últimos anos.
“As exportações serão o motor do crescimento de Portugal porque só através de um setor exportador forte é que conseguimos mitigar os efeitos de algo que não conseguimos mudar em termos de importações, uma vez que não há possibilidade de substituir uma grande parte das importações”, como por exemplo o consumo de bens tecnológicos, disse Filipe Garcia.
Em fevereiro do ano passado, o vice-primeiro-ministro afirmou que as exportações são “o porta-aviões da recuperação económica” e, um ano depois, numa feira em Milão, Paulo Portas disse mesmo que Portugal conseguiu ter em 2014 “o melhor ano de sempre em exportações”.
Poucos dias depois, no relatório sobre a décima avaliação ao programa de resgate português, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deixou um aviso a Portugal, afirmando que a mudança nas contas externas observada nos últimos anos “pode parcialmente ser revertida se a compressão das importações e o aumento das exportações se alterarem abruptamente”.
Mais recentemente, em novembro, a Comissão Europeia foi mais longe e disse que “as exportações estão a perder o seu momento, ao mesmo tempo que um consumo privado mais robusto está a impulsionar as importações”, estimando mesmo que “a procura interna seja o principal motor de crescimento, ao mesmo tempo que as exportações líquidas apresentem um contributo negativo para o crescimento económico em 2014”.
Para Bruxelas, “um regresso a um crescimento baseado na procura interna pode por em risco a redução dos desequilíbrios externos”.