O relatório preliminar de auditoria da consultora EY à CGD provocou uma onda de choque que vai durar anos. Até agora eram notícias avulsas, opinadores com informações enviesadas e fake news. Desde há alguns dias tudo passou à realidade pura e dura daquilo que são cumplicidades e promiscuidades na banca portuguesa.

E um dos aspetos mais graves de toda esta questão é que o banco público, banco dos contribuintes, foi o instrumento para negócios obscuros, sem interesse para a instituição e para o país – empréstimos em que bastava um aperto de mão sem colaterais para ficar tudo fechado.

O resultado está à vista com o relatório da EY, com dezenas de operações ruinosas praticadas por gestores ligados ao bloco central e que começam por envolver barões do PSD e continuaram com os boys do PS. Tudo bons rapazes porque o “saco do dinheiro não tinha fundo”, era dinheiro dos contribuintes.

Passaram anos sobre as primeiras denúncias de crédito concedido contra os pareceres da direção de risco da Caixa e pouco ou nada foi feito. Não há gestores responsáveis pelos atos praticados e dificilmente se poderão assacar responsabilidades às entidades de supervisão. Não há gestão danosa! Nem mesmo depois do Ministério Público desconfiar de ações deliberadas para omitir o passivo gerado na esfera do banco! Não houve falsificação de documentos!

A prisão de um gestor do meio, Armando Vara, é uma exceção. Passaram muitos outros gestores e responsáveis pelo Banco de Portugal e ainda não se viu a atuação pesada da PGR. Percebemos que há risco de prescrições e não há responsabilidade civil dos gestores! São muitas exclamações para os 16 anos de vida em análise no banco público.

Sem entrar em considerações individuais sobre cada uma das personalidades responsáveis por imparidades de centenas de milhões de euros, ou comentários sobre a distribuição de prémios em períodos de grande debilidade das instituições, ou ainda sem especular sobre a criação de uma “escola” de banqueiros especialistas em operações ruinosas, importa regressar ao pior momento do liberalismo.

Falamos de um tempo de perversão para negócios ruinosos a imputar aos contribuintes e do liberalismo pervertido que percorreu toda a Europa. Entre nós alguns abusaram muito, caso da SLN/BPN, e outros abusaram moderadamente, caso do BCP.

Mas se a grande perversão ocorreu entre 1995 e 2005 e se espalhou pelos EUA, Canadá, França, Alemanha e muitos outros países, não deixa de haver algo ilógico em tudo isto: terão ficado todos os banqueiros desonestes naquele período de tempo? Lembremos os casos mediáticos aqui ao lado – de Miguel Blesa de la Parra, ex-Caja de Madrid, e de Rodrigo Rato, ex-Bankia e ex-FMI. Ter-lhes-á dado a “macacoa” ou simplesmente viveram num clima de impunidade? Foram tempos em que o rácio de conversão de depósitos em crédito em Portugal chegou aos 160%. Hoje está nos 90%.